sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

CONSUMINDO A VIDA¹



Por André Trigueiro (*)


A avassaladora farra consumista desencadeada a partir da Revolução Industrial, potencializada com o avanço tecnológico dos meios de produção e universalizada pela mídia na era da globalização, está custando caro ao planeta. Há evidentes sinais de exaustão dos recursos naturais não-renováveis, já denunciados em sucessivos relatórios do PNUMA (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente), no estudo divulgado pela organização não-governamental WWF, segundo o qual “o consumo de recursos naturais já supera em 20% ao ano a capacidade do planeta de regenerá-los”, ou ainda no relatório “Estado do Mundo 2004”, do Worldwatch Institute, quando se afirma que “o consumismo desenfreado é a maior ameaça à humanidade”.

Os pesquisadores do Worldwatch denunciam que “altos níveis de obesidade e dívidas pessoais, menos tempo livre e meio ambiente danificado são sinais de que o consumo excessivo está diminuindo a qualidade de vida de muitas pessoas”.


O lado perverso desse consumo excessivo é que ele se restringe a uma minoria concentrada principalmente nos países ricos. Apenas 1,7 bilhão dos atuais 6,3 bilhões de pessoas que habitam o planeta têm hoje condições de consumir além das necessidades básicas. Ainda assim, a demanda por matéria-prima e energia cresce, precipitando o mundo na direção de um impasse civilizatório: ou a sociedade de consumo enfrenta o desafio da sustentabilidade, ou teremos cada vez menos água doce e limpa, menos florestas, menos solos férteis, menos espaço para a monumental produção de lixo e outros efeitos colaterais desse modelo suicida de desenvolvimento.

Cada um de nós, independente do poder aquisitivo, pode fazer a sua parte na construção de uma nova sociedade de consumo, onde a compra de cada produto ou serviço seja precedida de alguns pequenos cuidados. Dar preferência aos fabricantes ou comerciantes comprometidos com energia limpa, redução e reaproveitamento de resíduos, reciclagem de água, responsabilidade social corporativa e outras iniciativas sustentáveis é um bom começo. Checar se o que pretendemos adquirir é realmente necessário e fundamental.

O conceito de necessário varia de pessoa para pessoa, é assunto de foro íntimo. Mas pode-se descobrir neste exercício os sintomas de uma doença chamada oneomania, ou consumo compulsivo, que, de acordo com pesquisa do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo, acomete aproximadamente 3% da população brasileira, em sua maioria mulheres. É gente que usufrui apenas do momento da compra, para muito rapidamente deixar o produto de lado e, não raro, mergulhar num sentimento de culpa. Muitos endividados que tomam empréstimos em bancos ou em agiotas são oneomaníacos.

O fato é que a maioria dos brasileiros simplesmente não tem a opção de consumir mais do que o necessário. De acordo com a Pesquisa de Orçamento Familiar do IBGE (POF/2003), considerando a soma dos rendimentos e das despesas das famílias brasileiras, somente naquelas em que a faixa média de renda ultrapassa os R$ 4 mil por mês há algum dinheiro sobrando. Nestes casos, tem-se a opção de consumir algo mais com relativo conforto.

Estamos falando de uma minoria estimada em 17 milhões de brasileiros. Por esta conta, 165 milhões estariam excluídos da farra consumista; mas não isentos do bombardeio de anúncios que abrem o apetite para sonhos de consumo irrealizáveis, e que geram muitas vezes ansiedade, angústia e frustração. A resignação é o caminho. A depressão, um risco. A violência, uma possibilidade.

Por tudo isso, em diversas partes do mundo celebrou-se no dia 26 de novembro  o “Buy Nothing Day” (Um dia sem compras), um protesto simbólico idealizado pela ONG canadense Adbuster Foundation Media (www.adbusters.org), que há 13 anos vem sugerindo nesta data uma pausa no transe de consumo.


Desprezado pela grande mídia, o protesto na verdade é um alerta para a urgência de mudarmos hábitos e comportamentos fortemente arraigados em nossa cultura. No Brasil, o Instituto Akatu pelo Consumo Consciente (www.akatu.net) e o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (www.idec.org.br) também desenvolvem campanhas alertando os consumidores. O consumo é fundamental à vida. O consumismo desequilibra a vida. Tomar partido em favor do consumo consciente, como sugerem essas organizações, é uma questão de sobrevivência.

(*) é jornalista com Pós-graduação em Gestão Ambiental pela COPPE/UFRJ, Professor e criador do curso de Jornalismo Ambiental da PUC/RJ, autor do livro “Mundo Sustentável – Abrindo Espaço na Mídia para um Planeta em transformação” (Editora Globo, 2005), Coordenador Editorial e um dos autores do livro “Meio Ambiente no século XXI”, (Editora Sextante, 2003).

¹ publicado originalmente em 16.12.2006 em: http://www.mundosustentavel.com.br/2006/12/consumindo-a-vida/

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