Pular para o conteúdo principal

AUTOENGANO E AUTOCONHECIMENTO




“A vida irrefletida não vale
a pena ser vivida.”
(Sócrates, Apologia, 38,a) 






            Sabe-se que o grande Imperador de Roma, Caio Júlio César Otaviano (63 a.C – 14 d.C.) cuidou muito bem sobre a questão do autoengano e do autoconhecimento. Sempre quando ocorriam momentos de glórias em seu império e César voltava a Roma e era ovacionado pelas suas conquistas históricas nos campos de batalha, tinha sempre ao seu lado antigo e fiel escudeiro que dizia: “Lembre-se de que você é apenas um homem.”

            Autoengano

“(...) O que é a vossa vida? (...)” (Tiago, 4:14)
           
            Quem primeiro se preocupou com a questão do autoengano do homem enquanto Ser Moral, foi Sócrates (469-399 a.C), filósofo ateniense, ao observar a vida cega que seus concidadãos levavam, até mesmo por uma exigência da época, em contraponto ao reducionismo pré-socrático.
            Através dos métodos dialógicos – ironia e maiêutica – Sócrates, por meio de uma troca de perguntas ágeis, levava o seu interlocutor a uma aproximação progressiva com a verdade, fazendo-o render à ignorância, extraindo luz da escuridão.
            O interlocutor socrático é instado a reconhecer um duplo autoengano: ele imagina e confia saber o que de fato não sabe – sei que nada sei -, mas ele também sabe mais do imagina saber. Dessa forma, Sócrates, como “parteiro do saber”, invade o âmago do interlocutor e dá à luz conhecimentos que estavam latentes e ocultos em sua mente.
            O autoengano é sicário da alma causador do esmaecimento da autoestima, fazendo o Ser perder o equilíbrio emocional e a capacidade de analisar os fatos de maneira correta, descambando no abismo da compaixão, infelicitando-o, enveredando para os processos depressivos aos de pânico.
            Nesse estágio da consciência, o ser é escravo da ilusão dos sentidos e do conhecimento objetivo. A verdade se esconde. O ser obscurece-se mentalmente, como um cego que jamais contemplará a Luz do Espírito.
            O autoengano valoriza a sociedade de aparência, fomentando a cultura de massa, causando fonte inumeráveis danos e malefícios na vida pública e privada.

            Autoperdão

            “Perdoarás ao teu próximo como a ti mesmo.”

            O autoperdão é o maior desafio que o indivíduo enfrentará para superar o autoengano. É um renascimento. É abrir-se para o autoamor. Jesus aconselha a amar o próximo como a si mesmo. Substitui-se a palavra amor, por perdão, e temos a fórmula acima, correta para a autoaceitação da totalidade; de tudo que se é, sem julgamentos, das imperfeições e potencialidades.
            Autoperdoar-se é sepultar de vez os condicionamentos da culpa, da vergonha, do medo, que nos aprisiona e nos mantém medíocres e indignos, e se abre para uma nova relação consigo e com o mundo. É deixar de ser vítima da vida.
            Trata-se de processo que o ser se dispõe a não sofrer mais, de curar o coração e o Espírito, pois exige completa honestidade consigo mesmo.
            Robin Casarjian, terapeuta estadudinense, na obra “O Livro do Perdão”, sugere que o autoperdão é o processo de (a) reconhecer a verdade; (b) assumir a responsabilidade pelo que se fez; (c) aprender com a experiência reconhecendo os sentimentos mais profundos que motivaram os comportamentos ou pensamentos pelos quais se sente a culpa e se julga; (d) abrir seu coração e escutar passivamente os medos e os pedidos de socorro que estão dentro de si; (e) curar as feridas emocionais escutando esses pedidos de uma maneira responsável, saudável e amorosa e (f) se alinhar com a sua essência e afirmar a sua inocência fundamental.

            Autoamor

            “Amarás ao próximo como a ti mesmo” (Jesus, Mt, 19:19)

            Livre dos condicionamentos negativos do passado, o ser amadurece emocionalmente, amando-se e inicia o processo de conquista do Si.
            Amando-se, o ser se descortina para a condição da sua própria humanidade latente, deixando-se envolver por sentimento de solidariedade, interdependência, egocentrismo, e insere-se de uma forma mais ativa como cocriador de uma sociedade mais igual.
            Autoamar-se é se enriquecer de estima por si mesmo, descobrindo-se como Espírito imortal, com a importância sob o sol da vida e, esplendente de alegria, faz-se consciente, assinalando e ampliando, de forma vigorosa em benefício ao próximo.
            Esse processo, leva o Ser a libertar-se da competição mórbida e perversa, e do domínio arbitrário e devorador do egoísmo. É descobrir portador de inestimáveis recursos de paz e saúde, promotores do progresso e realizadores da felicidade da Terra.

            Autoconhecimento
           
            “ – Um sábio da Antiguidade vos disse: “Conhece-te a ti mesmo”. (Questão nº 919, de O Livro dos Espíritos)
                        Todo esse empenho facilita o amadurecimento psicológico que objetiva o conhecimento de Si mesmo, como está exarado na questão anterior.
            Enquanto no estágio do autoengano o ser se concentra no conhecimento objetivo, perseguido pela ciência. No autoconhecimento, o indivíduo tem que mergulhar nas suas experiências subjetivas inclusive de vivências pretéritas, inapreensíveis aos argumentos científicos.  
            O conhecimento de Si é a harmonia do eu profundo em relação à sua realidade espiritual, à compreensão do divino e do humano nele existentes, compreendendo a sua causalidade e entregando-se aos mecanismos celestes do processo da evolução que não cessa.
            Nesse estado, dinamiza-se um imenso processo de conquistas plenificadoras, passando pela consciência do sono - segundo a definição de G. I. Gurdieff, (1866-1949), místico e mestre espiritual armênio – avançando para outros níveis, com perspectivas amplas, pois o ser se identifica com a vida e alça-se aos valores mais expressivos, e a ânsia de crescimento espiritual é sem limites.
            O ser consciente de Si não se permite enxergar ou ser enxergado em fotografia 3 x 4, mas de corpo inteiro, em toda a sua totalidade.
            Allan Kardec preocupado com essa questão, indaga aos Reveladores Celestes, quando da elaboração da Doutrina Espírita, questão nº 170:
Em que se transforma o Espírito depois da sua última encarnação?
“ – Espírito bem aventurado; um Espírito puro.
           O Espiritismo, como doutrina tríplice - ciência, filosofia e moral - comprova a existência do Espírito, como Ser circunscrito, sua natureza, origem e destinação, favorecendo ao homem encetar essa grande jornada em direção à plenitude espiritual.

REFERÊNCIAS

CASARJIAN, Robin. O livro do perdão: o caminho para o coração tranquilo. Rio de Janeiro: Rocco, 1992. 255 p.

KARDEC, Allan. O livro dos espíritos. São Paulo: LAKE, 2004.





Comentários

  1. É isso aí amigo Jorge, o holofote precisa ser aceso para iluminar dentro. A alma iluminada é farol para si mesma e toda a vizinhança. Resplandeça a vossa luz, já dizia o Mestre da Galiléia. Um grande abraço. Roberto Caldas

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

PESTALOZZI E KARDEC - QUEM É MESTRE DE QUEM?¹

Por Dora Incontri (*) A relação de Pestalozzi com seu discípulo Rivail não está documentada, provavelmente por mais uma das conspirações do silêncio que pesquisadores e historiadores impõem aos praticantes da heresia espírita ou espiritualista. Digo isto, porque há 13 volumes de cartas de Pestalozzi a amigos, familiares, discípulos, reis, aristocratas, intelectuais da Europa inteira. Há um 14º volume, recentemente publicado, que são cartas de amigos a Pestalozzi. Em nenhum deles há uma única carta de Pestalozzi a Rivail ou vice-versa. Pestalozzi sonhava implantar seu método na França, a ponto de ter tido uma entrevista com o próprio Napoleão Bonaparte, que aliás se mostrou insensível aos seus planos. Escreveu em 1826 um pequeno folheto sobre suas ideias em francês. Seria quase impossível que não trocasse sequer um bilhete com Rivail, que se assinava seu discípulo e se esforçava por divulgar seu método em Paris. Pestalozzi, com seu caráter emotivo e amoroso, não era de ...

JESUS E A IDEOLOGIA SOCIOECONÔMICA DA PARTILHA

  Por Jorge Luiz               Subjetivação e Submissão: A Antítese Neoliberal e a Ideologia da Partilha             O sociólogo Karl Mannheim foi um dos primeiros a teorizar sobre a subjetividade como um fator determinante, e muitas vezes subestimado, na caracterização de uma geração (1) , isso, separando a mera “posição geracional” (nascer na mesma época) da “unidade de geração” (a experiência formativa e a consciência compartilhada). “Unidade de geração” é o que interessa para a presente resenha, e é aqui que a subjetividade se torna determinante. A “unidade de geração” é formada por aqueles indivíduos dentro da mesma “conexão geracional” que processam ou reagem ao seu tempo histórico de uma forma homogênea e distintiva. Essa reação comum é que cria o “ethos” ou a subjetividade coletiva da geração, geração essa formada por sujeitos.

TRÍPLICE ASPECTO: "O TRIÂNGULO DE EMMANUEL"

                Um dos primeiros conceitos que o profitente à fé espírita aprende é o tríplice aspecto do Espiritismo – ciência, filosofia e religião.             Esse conceito não se irá encontrar em nenhuma obra da codificação espírita. O conceito, na realidade, foi ditado pelo Espírito Emannuel, psicografia de Francisco C. Xavier e está na obra Fonte de Paz, em uma mensagem intitulada Sublime Triângulo, que assim se inicia:

EU POSSO SER MANIPULADO. E VOCÊ, TAMBÉM PODE?

  Por Maurício Zanolini A jornalista investigativa Carole Cadwalladr voltou à sua cidade natal depois do referendo que decidiu pela saída da Grã-Bretanha da União Europeia (Brexit). Ela queria entender o que havia levado a maior parte da população da pequena cidade de Ebbw Vale a optar pela saída do bloco econômico. Afinal muito do desenvolvimento urbanístico e cultural da cidade era resultado de ações da União Europeia. A resposta estava no Facebook e no pânico causado pela publicidade (postagens pagas) que apareciam quando as pessoas rolavam suas telas – memes, anúncios da campanha pró-Brexit e notícias falsas com bordões simplistas, xenofobia e discurso de ódio.

UM POUCO DE CHICO XAVIER POR SUELY CALDAS SCHUBERT - PARTE II

  6. Sobre o livro Testemunhos de Chico Xavier, quando e como a senhora contou para ele do que estava escrevendo sobre as cartas?   Quando em 1980, eu lancei o meu livro Obsessão/Desobsessão, pela FEB, o presidente era Francisco Thiesen, e nós ficamos muito amigos. Como a FEB aprovou o meu primeiro livro, Thiesen teve a ideia de me convidar para escrever os comentários da correspondência do Chico. O Thiesen me convidou para ir à FEB para me apresentar uma proposta. Era uma pequena reunião, na qual estavam presentes, além dele, o Juvanir de Souza e o Zeus Wantuil. Fiquei ciente que me convidavam para escrever um livro com os comentários da correspondência entre Chico Xavier e o então presidente da FEB, Wantuil de Freitas 5, desencarnado há bem tempo, pai do Zeus Wantuil, que ali estava presente. Zeus, cuidadosamente, catalogou aquelas cartas e conseguiu fazer delas um conjunto bem completo no formato de uma apostila, que, então, me entregaram.

OS FILHOS DE BEZERRA DE MENEZES

                              As biografias escritas sobre Bezerra de Menezes apresentam lacunas em relação a sua vida familiar. Em quase duas décadas de pesquisas, rastreando as pegadas luminosas desse que é, indubitavelmente, a maior expressão do Espiritismo no Brasil do século XIX, obtivemos alguns documentos que nos permitem esclarecer um pouco mais esse enigma. Mais recentemente, com a ajuda do amigo Chrysógno Bezerra de Menezes, parente do Médico dos Pobres residente no Rio de Janeiro, do pesquisador Jorge Damas Martins e, particularmente, da querida amiga Lúcia Bezerra, sobrinha-bisneta de Bezerra, residente em Fortaleza, conseguimos montar a maior parte desse intricado quebra-cabeças, cujas informações compartilhamos neste mês em que relembramos os 180 anos de seu nascimento.             Bezerra casou-se...

A DOR DO FEMINICÍDIO NÃO COMOVE A TODOS. O QUE EXPLICA?

    Por Ana Cláudia Laurindo A vida das mulheres foi tratada como propriedade do homem desde os primevos tempos, formadores da base social patriarcal, sob o alvará das religiões e as justificativas de posses materiais em suas amarras reprodutivas. A negação dos direitos civis era apenas um dos aspectos da opressão que domesticava o feminino para servir ao homem e à família. A coroação da rainha do lar fez parte da encenação formal que aprisionou a mulher de “vergonha” no papel de matriz e destituiu a mulher de “uso” de qualquer condição de dignidade social, fazendo de ambos os papéis algo extremamente útil aos interesses machistas.

A ESTUPIDEZ DA INTELIGÊNCIA: COMO O CAPITALISMO E A IDIOSSUBJETIVAÇÃO SEQUESTRAM A ESSÊNCIA HUMANA

      Por Jorge Luiz                  A Criança e a Objetividade                Um vídeo que me chegou retrata o diálogo de um pai com uma criança de, acredito, no máximo 3 anos de idade. Ele lhe oferece um passeio em um carro moderno e em um modelo antigo, daqueles que marcaram época – tudo indica que é carro de colecionador. O pai, de maneira pedagógica, retrata-os simbolicamente como o amor (o antigo) e o luxo (o novo). A criança, sem titubear, escolhe o antigo – acredita-se que já é de uso da família – enquanto recusa entrar no veículo novo, o que lhe é atendido. Esse processo didático é rico em miríades que contemplam o processo de subjetivação dos sujeitos em uma sociedade marcada pela reprodução da forma da mercadoria.

RECORDAR PARA ESQUECER

    Por Marcelo Teixeira Esquecimento, portanto, como muitos pensam, não é apagamento. É resolver as pendências pretéritas para seguirmos em paz, sem o peso do remorso ou o vazio da lacuna não preenchida pela falta de conteúdo histórico do lugar em que reencarnamos reiteradas vezes.   *** Em janeiro de 2023, Sandra Senna, amiga de movimento espírita, lançou, em badalada livraria de Petrópolis (RJ), o primeiro livro; um romance não espírita. Foi um evento bem concorrido, com vários amigos querendo saudar a entrada de Sandra no universo da literatura. Depois, que peguei meu exemplar autografado, fui bater um papo com alguns amigos espíritas presentes. Numa mesa próxima, havia vários exemplares do primeiro volume de “Escravidão”, magistral e premiada obra na qual o jornalista Laurentino Gomes esmiúça, com riqueza de detalhes, o que foram quase 400 anos de utilização de mão de obra escrava em terras brasileiras.

ALLAN KARDEC, O DRUIDA REENCARNADO

Das reencarnações atribuídas ao Espírito Hipollyte Léon Denizard Rivail, a mais reconhecida é a de ter sido um sacerdote druida chamado Allan Kardec. A prova irrefutável dessa realidade é a adoção desse nome, como pseudônimo, utilizado por Rivail para autenticar as obras espíritas, objeto de suas pesquisas. Os registros acerca dessa encarnação estão na magnífica obra “O Livro dos Espíritos e sua Tradição História e Lendária” do Dr. Canuto de Abreu, obra que não deve faltar na estante do espírita que deseja bem conhecer o Espiritismo.