Por Maurício Zanolini
Por causa da quarentena, nos últimos dias participei de alguns encontros virtuais com amigos. Chamamos de happy hour e brindamos como se estivéssemos juntos num bar. A conversa também começou como uma confraternização depois de um dia de trabalho – muitos assuntos superficiais, piadas, interrupções e mudanças de rumo a todo momento. Mas no decorrer das horas, depois de algumas despedidas, os que sobravam tinham mais tempo de fala, e começaram a dividir angústias e ansiedades. Os pais no grupo de risco, os filhos sem escola, o emprego sem definição. Depois de ouvir e dividir minhas próprias dificuldades, eu escancarei aquilo que estava nos rodeando a noite toda – no fundo buscávamos apoio uns nos outros porque estamos diante da morte.
Nessa crise global causada pelo Covid-19, recebemos notícias todos os dias que dão conta da escalada do número de pessoas mortas, dos caminhões transportando corpos para serem cremados em outras cidades. Temos acesso a relatos de pessoas que não puderam velar seus parentes, que foram postos em caixões lacrados. Assistimos vídeos de pacientes em suas últimas horas de vida, ligados a respiradores mecânicos, se despedindo de seus familiares por vídeo. Ainda que tudo isso esteja acontecendo com uma porcentagem pequena da população mundial, estamos todos convivendo com a morte todos os dias. E nas próximas semanas, aqui no Brasil, viveremos tudo isso intensamente.
A própria quarentena nos impõe várias mortes. A morte do nosso estilo de vida frenético que gira uma roda de muitas horas de trabalho, mais horas no transporte, algumas poucas de entretenimento e convivência familiar e outras de sono. Outra morte é a da escola como principal espaço de convivência das crianças. A morte da economia que terá que ser reconstruída a partir de um novo paradigma. Com todas essas mortes, estamos de luto pela vida que vivemos até aqui. Alguns de nós, em negação, ainda acreditando que tudo vai voltar ao “normal”. Outros já refletindo, tentando imaginar um futuro diferente.
A proximidade da morte, com as características específicas que uma pandemia nos apresenta, também nos faz olhar para o mundo de outra forma. É muito provável que todos nós teremos algum parente ou conhecido que morrerá vítima do vírus. Isso nos coloca a todos na condição de uma comunidade que vive em luto constante. Em países como o Brasil e outros onde a desigualdade é imensa, as periferias vivem essa condição desde há a muito tempo. Diante da pandemia, podemos reconhecer isso e entender que seres humanos não podem viver assim. É a morte nos aproximando, nos humanizando.
Portanto, podemos ver nesse cenário algo positivo. A proximidade da morte pode nos ajudar a repensarmos nossa vida e nossas escolhas. Mas pode também remexer em nossos sentimentos de perda, causar ansiedade, adoecimento psíquico. Como a morte é culturalmente um assunto tabu, é mais fácil optarmos por não falar sobre isso, causando ainda mais distanciamento, ao mesmo tempo em que a quarentena nos impõe mais proximidade.
O advogado Jason B. Rosenthal relata sua experiência de perda e luto nesse vídeo (abaixo). Sua esposa, a escritora e cineasta Amy Krouse Rosenthal, morreu de câncer. Suas reflexões sobre o morrer e as formas de lidar com a dor e a tristeza, colocadas assim de maneira aberta, são muito essenciais para o nosso hoje.
https://www.youtube.com/watch?v=lhoCdZFoktQ
Mesmo que a experiência relatada por ele seja muito diferente da que está sendo vivida por todos nós globalmente, alguns aspectos do luto antecipado por uma morte anunciada são pertinentes. Diante da morte, despertamos para a possibilidade de conversarmos uns com os outros sobre sentimentos profundos. Podemos afirmar e reiterar nosso amor uns pelos outros, nossa confiança e admiração, podemos trazer à tona dores e ressentimentos do passado para resolvê-los. Podemos perdoar e sermos perdoados.
Estamos vivendo o luto antecipado do futuro. Mas o futuro virá e vamos ter que chorar nossos mortos, em rituais coletivos, sem fronteiras. Aproveitemos esse tempo e essa proximidade (física ou virtual) para pensarmos sobre a morte e o morrer, sobre as relações mal resolvidas que não queremos deixar pendentes, sobre as transformações no mundo que não queremos mais adiar. Esta é a beleza da morte, que nos abre a porta para reinventarmos a vida!
COMENTÁRIO ELABORADO PELA INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL - IA
ResponderExcluirA Morte como Catalisador: Reflexões sobre a Pandemia e o Luto
O artigo oferece uma análise sensível e perspicaz sobre o impacto da pandemia de COVID-19 em nossa percepção da vida e da morte. Começando com a experiência de encontros virtuais que evoluem de superficialidade para a partilha de angústias profundas, o texto destaca como a quarentena e a crise sanitária nos confrontam diretamente com a finitude.
O autor habilmente explora a natureza multifacetada da "morte" neste cenário. Não se trata apenas da perda de vidas humanas para o vírus, com suas imagens chocantes de funerais e despedidas à distância, mas também da "morte" do nosso estilo de vida frenético, da rotina escolar tradicional e até mesmo da economia como a conhecíamos. Essa multiplicidade de perdas nos coloca em um estado de luto antecipado, um adeus à vida que vivíamos até então.
Um ponto crucial levantado é como a proximidade da morte nos humaniza. Ao nos nivelar diante da vulnerabilidade, a pandemia nos força a reconhecer e confrontar a desigualdade social, um luto constante para comunidades marginalizadas. Essa nova perspectiva pode, paradoxalmente, gerar algo positivo: a oportunidade de repensar valores, escolhas e relações.
O texto também aborda o tabu cultural em torno da morte e como a pandemia o desafia, incentivando a abertura para conversas sobre sentimentos profundos. A menção ao vídeo de Jason B. Rosenthal, que compartilha sua experiência de luto, reforça a ideia de que essa vulnerabilidade compartilhada pode ser um caminho para a resolução de pendências e o fortalecimento de laços.
Em suma, o artigo é um convite à reflexão sobre o luto antecipado do futuro e a necessidade de abraçar as transformações. Ele sugere que, ao invés de evitar o tema da morte, podemos encará-la como uma catalisadora para reinventarmos a vida, aproveitando este período de proximidade forçada (física ou virtual) para resolver o passado, planejar um futuro diferente e reafirmar o que realmente importa.