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AONDE NOS LEVARÃO ESSES "PASTORES"?

 

Por Jorge Luiz

            Padre Vieira (1608-1697), orador português da Companhia de Jesus, conhecido pela sua oratória, em conhecido Sermão da Epifania ou do Evangelho (1662), de forma primorosa e original surpreende e comove, devido a sua eloquência, diante da Corte Portuguesa, logo após a expulsão dos jesuítas do Grão Pará e do Maranhão. O Sermão tem como pano de fundo a comemoração do aparecimento dos reis Magos como a primeira manifestação de Cristo aos Gentios. Estes reis foram conduzidos em segurança até o Menino Jesus, pela estrela de Cristo.  

Diz Vieira:

“Para que Portugal, na nossa idade, possa ouvir um pregador evangélico, será hoje o Evangelho o pregador. Esta é a novidade que trago do Mundo Novo. O estilo era que o  pregador explicasse o Evangelho: hoje o Evangelho há de ser a explicação do pregador. Não sou eu o que hei de comentar o texto: o texto é o que me há de comentar a mim. Nenhuma palavra direi que não seja sua, porque nenhuma cláusula tem que não seja minha. Eu repetirei as suas vozes, ele bradará os meus silêncios. Praza a Deus que os ouçam os homens na terra, para que não cheguem a ser ouvidos no céu.”

            Penitencio-me, como Vieira, mas calar seria ser omisso.

Insertemos essa pérola da oratória aos dias de hoje e que se sinta o impacto diante das constrangedoras falas de muitos pastores que circulam nas redes sociais, que variam do bizarro à imbecilidade. Falo de recente pregação em que o pastor explica que a causa para a gestação de crianças com o Transtorno do Espectro Autista (TEA) são as ações do demônio no ventre das gestantes (saiba mais). Assim, ele afirma:

“As crianças hoje, de cada 100 nós temos quase que 30% de autistas, em vários graus. O que está acontecendo? O diabo está visitando o ventre das desprotegidas. Daqueles que não têm a graça, a habilidade, a instrumentalidade e a mentalidade para saber lidar no mundo espiritual. E ele só procura os vulneráveis, os desassistidos.

Consta que houve a retratação, o que não inviabiliza a resenha proposta, já que isso é fato corriqueiro em muitos cultos, e a sociedade dá conformidade a esses posicionamentos, muitas vezes, podendo ser analisado sob ótica penal.

O TEA, como a própria definição se apresenta, o espectro (melhor definição) é “conjunto das linhas resultantes da decomposição de uma luz complexa.” Compreensível, pois, que são variáveis infinitas, assim são os estudos em múltiplas disciplinas científicas. São variadas e conflitantes abordagens, no âmbito da genética, sem resultados conclusivos.

Hermínio C. Miranda (1920-2013), um dos principais pesquisadores espíritas brasileiros, realiza uma leitura espiritual e científica sobre o autismo, cita o Dr. Carl H. Delcato, um dos estudiosos desse espectro, da seguinte forma: “Contemplando esse quadro com olhar menos profissional e mais compassivo, o Dr. Delcato formula a si mesmo uma inquietante indagação. Será que  o estranho comportamento do autista não teria “algum sentido oculto – uma mensagem para a qual estamos cegos? Será possível” – prossegue – “que as crianças não estão tentando desesperadamente comunicar-se conosco, os surdos?”

Quanto à questão espiritual, Miranda traz a lume uma referência da Dra. Helen Wambach (1925-1985), PhD em Psicologia e uma das pioneiras na Terapia Regressiva de Vivências Passadas (TRVP), que supõe ser uma atitude de não envolvimento assumida pelo autista a qual poderia ser atribuída a uma rejeição à sua própria reencarnação. Ele ainda considera:

“Se a gente tem qualquer dificuldade com a aceitação da Dra. Wambach – rejeição à reencarnação –, não há como deixar de admitir-se que a rejeição é à vida em si, ou, mais especificamente, ao tipo de vida que se espera de uma pessoa dita normal.”

            Todos os aspectos até hoje considerados, inclusive os da Dra. Wambach, que é muito citada pelos espíritas, devem ser questionados pela própria complexidade do TEA.

A massificação das seitas neopentecostais segue exponencialmente a massificação dos que são alçados à condição de pastor sem os requisitos mínimos para o exercício do que eles consideram “a palavra de Deus”, imagine de forma simplista considerar uma resultante do “demônio”, algo já demodê nos círculos religiosos, em contraste do que aflige muitas famílias e a própria ciência.

Em vista do que propõe Vieira, o próprio pastor é que poderia estar sob o poder do maligno, pois ele se coloca sob a análise do Evangelho como um instrumento de controle que busca penetrar nas individualidades e determinar formas de agir, além de classificar comportamentos transgressores numa ótica que nega sua legitimidade, diz Marcelo Tadeu, professor de História, Sociologia e Cultura Jurídica do Centro Universitário de Brasília – UniCEUB.

Embora tendo como objetivo a tensão de Vieira com os colonizadores no Estado do Maranhão, havia a utilização da mão de obra escrava indígena, ameaçando a estabilidade e afrontando os privilégios tradicionalmente constituídos. A tensão hoje é de uma exploração impiedosa de parte da sociedade pauperizada pelas forças colonizadoras capitalistas instrumentalizando seitas religiosas, através de profissionais religiosos que se utilizam mais do demônio como ferramenta de medo, como foi na Idade Média, sem explorar o Evangelho Libertador-Revolucionário de Jesus.

A sociedade brasileira, enquanto ainda é tempo, deve problematizar esses comportamentos preconceituosos, xenófobos, misóginos e, acima de tudo, disseminadores do ódio contra os que pensam diferentemente, destruindo templos de religiões de matriz africana e interditando templos católicos, como ocorreram recentemente.

Ainda é tempo!

 

Referências:

 

MIRANDA, Hermínio C. Autismo: uma leitura espiritual. São Paulo: Lachâtre, 2011.

VIEIRA, Pe. Antonio. Sermões escolhidos. São Paulo: Martin Claret, 2011.

 

SITES:

file:///C:/Users/Jorge%20Luiz/Downloads/1365-7001-2-PB-1.pdf.

 

https://cbn.globo.com/brasil/noticia/2024/07/17/video-pastor-diz-que-autismo-e-visita-do-diabo-no-ventre-de-gravidas-e-gera-revolta-nas-redes-sociais.ghtml.

 

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