Pular para o conteúdo principal

FAMÍLIA:PRATO DIFÍCIL DE SER PREPARADO

Por Doris Gandres

Recentemente li um livro “delicioso”, chamado Arroz de Palma, de Francisco Azevedo, em que um senhor idoso, enquanto prepara um almoço para a família, conta sua história e a de seus familiares, envolvendo três gerações. A maneira como relata e, sobretudo, como aborda o tema, com narrativa simples e fluente, falando de problemas triviais, e mesmo dos graves, que todos, de alguma forma, vivenciamos no quadro familiar, deixa o livro literalmente, como disse, “delicioso” e de muito agradável leitura.

Logo no início ele expressa exatamente a frase que utilizei como título para esse artigo: “família, prato difícil de ser preparado”. E nas páginas seguintes, enquanto comenta e analisa por que é assim, tantas vezes, tão difícil “preparar uma família”, fui me dando conta do profundo aspecto espiritual contido nessa declaração.

A nossa doutrina, tanto na codificação kardeciana quanto em várias outras obras complementares, explica com clareza o que significam essas relações familiares, particularmente as mais próximas, onde muitas vezes se encontram as maiores dificuldades de relacionamento e entendimento, como também os afetos e os felizes reencontros de espíritos que já desenvolveram laços sólidos de amizade que independem de situação terrena ou extraterrena – é o que conhecemos como a nossa grande família espiritual, a partir do momento em que nos entendemos verdadeiramente como irmãos filhos do mesmo Pai...

É neste mês de dezembro, quando cerca de um terço da humanidade comemora a data oficializada do nascimento de Jesus de Nazaré, também se associa essa comemoração com a família; tanto que ainda hoje, séculos e séculos depois, muitos ainda se referem à “sagrada família”, designando José, Maria e o menino Jesus.

E esse menino, acalentado numa manjedoura, tendo como companheiros além do pai e da mãe apenas os animais de um estábulo, era exatamente aquele ser que se tornaria um marco inesquecível na história da humanidade, tanto que o calendário de uma boa parte da civilização passou a ser classificado como antes de Cristo (AC) e depois de Cristo (DC).

É fato que antes de Jesus, tal como consta n’O Livro dos Espíritos, q.626, quando Kardec pergunta se as leis divinas e naturais somente foram reveladas por Jesus e, antes dele, só haviam sido conhecidas por intuição, os Espíritos Superiores respondem que tais leis estão inscritas por toda parte; que todos os homens que meditaram sobre a sabedoria puderam compreendê-las e ensiná-las, desde os séculos mais distantes; que preparavam o terreno para receber a semente... eis porque os seus princípios foram proclamados em todos os tempos pelos homens de bem e por isso encontramos seus elementos na doutrina moral de todos os povos saídos da barbárie...

Na q.624 do mesmo livro, Kardec pergunta qual o caráter do verdadeiro profeta – visto que muitos houve e, lamentavelmente, ainda há, que assim se apresentam – a resposta é: O verdadeiro profeta é um homem de bem, inspirado por Deus. Podemos reconhecê-lo por suas palavras e por suas ações. Deus não pode servir-se da boca de um mentiroso para ensinar a verdade.

É particularmente nessa resposta que encontramos a figura exemplar do Mestre nazareno – ele não apenas ensinou, propagou, divulgou as leis divinas – ele as vivenciou, em plenitude, com absoluta fidelidade, humildade e simplicidade.

E é justamente por isso que na conhecida q.625 do livro basilar da nossa doutrina, à pergunta de qual seria o tipo mais perfeito que Deus ofereceu ao homem para lhe servir de guia e de modelo, a resposta dos Espíritos é simplesmente: Vede Jesus. E nosso mestre espírita Allan Kardec complementa com muita propriedade que: Jesus é para o homem o tipo de perfeição moral a que pode aspirar a humanidade na Terra; Deus no-lo oferece como o mais perfeito modelo, e a doutrina que ele ensinou é a mais pura expressão de Sua lei, porque ele estava animado do espírito divino e foi o ser mais puro que já apareceu sobre a Terra.

Assim é que a família preconizada por Jesus vai muito além do que o pequeno círculo do nosso lar, da nossa manjedoura. Como ele mesmo exemplifica na conhecida passagem “quem é minha mãe e quem são meus irmãos”, a nossa família são todos os nossos companheiros em humanidade, os que estão caminhando conosco neste momento, os que já o fizeram e os que o farão futuramente. O conceito família, de acordo com a lei do Pai, estende-se pelos mundos afora, pelo Universo afora, envolvendo toda a criação.

É por isso que se compreende quando o irmão Francisco declara que “família é um prato difícil de preparar”, tendo em vista a profundidade e a extensão da família a que estamos e estaremos verdadeiramente vinculados. Portanto, a todos que nos leem, desejo um feliz Natal e uma feliz família!


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

PESTALOZZI E KARDEC - QUEM É MESTRE DE QUEM?¹

Por Dora Incontri (*) A relação de Pestalozzi com seu discípulo Rivail não está documentada, provavelmente por mais uma das conspirações do silêncio que pesquisadores e historiadores impõem aos praticantes da heresia espírita ou espiritualista. Digo isto, porque há 13 volumes de cartas de Pestalozzi a amigos, familiares, discípulos, reis, aristocratas, intelectuais da Europa inteira. Há um 14º volume, recentemente publicado, que são cartas de amigos a Pestalozzi. Em nenhum deles há uma única carta de Pestalozzi a Rivail ou vice-versa. Pestalozzi sonhava implantar seu método na França, a ponto de ter tido uma entrevista com o próprio Napoleão Bonaparte, que aliás se mostrou insensível aos seus planos. Escreveu em 1826 um pequeno folheto sobre suas ideias em francês. Seria quase impossível que não trocasse sequer um bilhete com Rivail, que se assinava seu discípulo e se esforçava por divulgar seu método em Paris. Pestalozzi, com seu caráter emotivo e amoroso, não era de ...

OS FILHOS DE BEZERRA DE MENEZES

                              As biografias escritas sobre Bezerra de Menezes apresentam lacunas em relação a sua vida familiar. Em quase duas décadas de pesquisas, rastreando as pegadas luminosas desse que é, indubitavelmente, a maior expressão do Espiritismo no Brasil do século XIX, obtivemos alguns documentos que nos permitem esclarecer um pouco mais esse enigma. Mais recentemente, com a ajuda do amigo Chrysógno Bezerra de Menezes, parente do Médico dos Pobres residente no Rio de Janeiro, do pesquisador Jorge Damas Martins e, particularmente, da querida amiga Lúcia Bezerra, sobrinha-bisneta de Bezerra, residente em Fortaleza, conseguimos montar a maior parte desse intricado quebra-cabeças, cujas informações compartilhamos neste mês em que relembramos os 180 anos de seu nascimento.             Bezerra casou-se...

DIA DA ESPOSA DO PASTOR: PAUTA PARASITA GANHA FORÇA NO BRASIL

     Imagens da internet Por Ana Cláudia Laurindo O Dia da Esposa do Pastor tem como data própria o primeiro domingo de março. No contexto global se justifica como resultado do que chamam Igreja Perseguida, uma alusão aos missionários evangélicos que encontram resistência em países que já possuem suas tradições de fé, mas em nome da expansão evangélico/cristã estas igrejas insistem em se firmar.  No Brasil, a situação é bem distinta. Por aqui, o que fazia parte de uma narrativa e ação das próprias igrejas vai ocupando lugares em casas legislativas e ganhando sanções dentro do poder executivo, como o que aconteceu recentemente no estado do Pará. Um deputado do partido Republicanos e representante da bancada evangélica (algo que jamais deveria ser nominado com naturalidade, sendo o Brasil um país laico (ainda) propôs um projeto de lei que foi aprovado na Assembleia Legislativa e quando sancionado pelo governador Helder Barbalho, no início deste mês, se tornou a lei...

CONFLITOS E PROGRESSO

    Por Marcelo Henrique Os conflitos estão sediados em dois quadrantes da marcha progressiva (moral e intelectual), pois há seres que se destacam intelectualmente, tornando-se líderes de sociedades, mas não as conduzem com a elevação dos sentimentos. Então quando dados grupos são vencedores em dadas disputas, seu objetivo é o da aniquilação (física ou pela restrição de liberdades ou a expressão de pensamento) dos que se lhes opõem.

OS ESPÍRITAS E O CENSO DE 2022

  Por Jorge Luiz   O Desafio da Queda de Números e a Reticência Institucional do Espiritismo no Brasil Alguns espíritas têm ponderado sobre o encolhimento do número de declarados espíritas no Brasil, conforme o Censo de 2022, com abordagens diversas – desde análises francas até tentativas de minimizar o problema. O fato é que, até o momento, as federativas estaduais e a Federação Espírita Brasileira (FEB) não se manifestaram com o propósito de promover um amplo debate sobre o tema em conjunto com as casas espíritas. Essa ausência das federativas no debate não chega a ser surpreendente e é uma clara demonstração da dinâmica do movimento espírita brasileiro (MEB). As federativas, na realidade, tornaram-se instituições de relacionamento público-social do movimento espírita.

JUSTIÇA COM CHEIRO DE VINGANÇA

  Por Roberto Caldas Há contrastes tão aberrantes no comportamento humano e nas práticas aceitas pela sociedade, e se não aceitas pelo menos suportadas, que permitem se cogite o grau de lucidez com que se orquestram o avanço da inteligência e as pautas éticas e morais que movem as leis norteadoras da convivência social.  

O CERNE DA QUESTÃO DOS SOFRIMENTOS FUTUROS

      Por Wilson Garcia Com o advento da concepção da autonomia moral e livre-arbítrio dos indivíduos, a questão das dores e provas futuras encontra uma nova noção, de acordo com o que se convencionou chamar justiça divina. ***   Inicialmente. O pior das discussões sobre os fundamentos do Espiritismo se dá quando nos afastamos do ponto central ou, tão prejudicial quanto, sequer alcançamos esse ponto, ou seja, permanecemos na periferia dos fatos, casos e acontecimentos justificadores. As discussões costumam, normalmente e para mal dos pecados, se desviarem do foco e alcançar um estágio tal de distanciamento que fica impossível um retorno. Em grande parte das vezes, o acirramento dos ânimos se faz inevitável.

A FÉ COMO CONTRAVENÇÃO

  Por Jorge Luiz               Quem não já ouviu a expressão “fazer uma fezinha”? A expressão já faz parte do vocabulário do brasileiro em todos os rincões. A sua história é simbiótica à história do “jogo do bicho” que surgiu a partir de uma brincadeira criada em 1892, pelo barão João Batista Viana Drummond, fundador do zoológico do Rio de Janeiro. No início, o zoológico não era muito popular, então o jogo surgiu para incentivar as visitas e evitar que o estabelecimento fechasse as portas. O “incentivo” promovido pelo zoológico deu certo, mas não da maneira que o barão imaginava. Em 1894, já era possível comprar vários bilhetes – motivando o surgimento do bicheiro, que os vendia pela cidade. Assim, o sorteio virou jogo de azar. No ano seguinte, o jogo foi proibido, mas aí já tinha virado febre. Até hoje o “jogo do bicho” é ilegal e considerado contravenção penal.

O AUTO-DE-FÉ E A REENCARNAÇÃO DO BISPO DE BARCELONA¹ (REPOSTAGEM)

“Espíritas de todos os países! Não esqueçais esta data: 9 de outubro de 1861; será marcada nos fastos do Espiritismo. Que ela seja para vós um dia de festa, e não de luto, porque é a garantia de vosso próximo triunfo!”  (Allan Kardec)             Por Jorge Luiz                  Cento e sessenta e três anos passados do Auto-de-Fé de Barcelona, um dos últimos atos do Santo Ofício, na Espanha.             O episódio culminou com a apreensão e queima de 300 volumes e brochuras sobre o Espiritismo - enviados por Allan Kardec ao livreiro Maurice Lachâtre - por ordem do bispo de Barcelona, D. Antonio Parlau y Termens, que assim sentenciou: “A Igreja católica é universal, e os livros, sendo contrários à fé católica, o governo não pode consentir que eles vão perverter a moral e a religião de outros países.” ...

TRÍPLICE ASPECTO: "O TRIÂNGULO DE EMMANUEL"

                Um dos primeiros conceitos que o profitente à fé espírita aprende é o tríplice aspecto do Espiritismo – ciência, filosofia e religião.             Esse conceito não se irá encontrar em nenhuma obra da codificação espírita. O conceito, na realidade, foi ditado pelo Espírito Emannuel, psicografia de Francisco C. Xavier e está na obra Fonte de Paz, em uma mensagem intitulada Sublime Triângulo, que assim se inicia: