terça-feira, 12 de abril de 2022

O REINO DE DEUS É POLÍTICO

 


            O movimento espírita brasileiro está cintilante. Está ocorrendo uma supernova doutrinária com as iniciativas dos espíritas chamados de “progressistas”. Assim como as supernovas, as iniciativas coletivizaram e surgiram os coletivos espíritas. No meio do caos – dos “senões” – há uma ordem, e se espera que se ordene um movimento espírita doutrinário e organizacional.


            A sociedade brasileira rompe com a personalidade espírita do culto à mediunidade e das obras de caridade e começa a se identificar com uma nova personalidade cidadã que mostra a cosmovisão espírita do homem e do mundo.

            A temática política deixou de ser tabu e passou a ser discutida e publicada, muito embora ainda existam muitos espíritas que se declaram apolíticos, como se fosse possível alguém sê-lo. Duas estrelas cintilam nesse céu, as obras: “Deus e Política”, de Ana Cláudia Laurindo, e “Espiritismo, Gênero, Educação e Sexualidade”, de Alexandre Júnior, já disponíveis para aquisição.

O professor José Herculano Pires é incisivo nesse aspecto:

 

Verifica-se, entretanto, de parte de um grande número de espíritas dirigentes, um escrúpulo farisaico em face deste assunto. São muitos os que afirmam nada ter o Espiritismo com as questões políticas, embora assegurando, numa flagrante contradição, caber-lhe no mundo “uma grande tarefa social.

 

            O professor Herculano conclama aos espíritas a agirem com mais interesse, inteligência e honestidade e menos preconceito.

            Os filósofos Mário Sérgio Cortella e Leandro Karnal, em conversa sobre política, fazem lembrar que o conceito de política, na Grécia antiga, vem de polis, que quer dizer comunidade. O ser político é aquele que se preocupa com a comunidade, igualdade, participação e democracia. Em contrapartida, a palavra idiota, à época, dizia-se com aquele que só se preocupava com a sua “vidinha” privada, apenas pensa em seu “umbigo”, como nos tempos de hoje, principalmente no movimento espírita, quando se ouvem as frases: “eu sou apolítico”,“eu não me meto em política”, “eu não falo em política”, entretanto, prestam todo o tipo de assistência aos desvalidos, falam da necessidade de se amar ao próximo e pregam a necessidade de se alcançar o reino de Deus fundado por Jesus, atitudes frontalmente políticas.

            É de fundamental importância que revisitemos o conceito de reino de Deus conforme inaugurado por Jesus e não aquele que agasalhamos de forma atávica pelas romagens reencarnatórias em outras organizações religiosas.

O cristianismo atual não tem nada em comum com o cristianismo primitivo, baseado em um individualismo exorbitante e competição predatória. Está muito distante da fraternidade entre os indivíduos do reino de Jesus.

A aristocracia financeira, ao aderir ao cristianismo nascente e torná-lo religião oficial do Império, vai lentamente desfigurando o caráter revolucionário pregado por Jesus acerca do reino de Deus, vivido pelos primeiros cristãos iletrados. É um hábito da burguesia através dos tempos diante da grande massa que se permite manipular. Karl Kautsk, filósofo tcheco-austríaco, jornalista e teórico marxista e um dos fundadores da ideologia social-democrata, citou Hieronymus, pintor renascentista, quando afirmou que “a comunidade do Cristo não se recruta no Liceu e na Academia, mas na massa da população”. A partir dessa compreensão, os ensinos de Jesus, nos primeiros tempos, dependiam da oralidade, segundo Kautsky, e somente quando essa aristocracia aderiu ao cristianismo é que começaram a ser fixados por escrito, mas na realidade, não com propósitos realmente cristãos, mas para defender certas opiniões e exigências. Vê-se a compreensão diabólica que a burguesia construiu acerca do que é comunismo. Isso consolidou com a criação da aristocracia religiosa.

O reino de Jesus dos primeiros cristãos foi uma participação ativa na vida pública, na construção íntima de cada cristão dos princípios éticos de justiça e igualdade. Leia-se Jesus: “Buscai primeiramente o Reino de Deus e a sua justiça, e tudo o mais vos será dado por acréscimo”.

Instigado pelo pensamento do controverso teólogo irlandês John Dominic Crossan, não seriam os petitórios do Pai Nosso – “Dá-nos a cada dia o nosso pão cotidiano, perdoa-nos nossos pecados, pois nós também perdoamos a qualquer que nos deve”, seguidos das locuções bater, pedir e buscar, longe de se tornarem um convite apocalíptico, o chamamento revolucionário, transformador da realidade? É bom lembrar que o cerne da mensagem sobre o reino de Deus está nos abusos do Império de César, principalmente a fome e as dívidas. O leitor deve também se intrigar e indagar: “O que isso tem de importante?” A resposta é: “tem e muito”. O reino não é algo exclusivamente metafísico, muito pelo contrário, ele traz apelos físicos: Leia-se Crossam com o qual concordo:

 

Além disso, súplicas se encaixam muito bem, na minha opinião, numa oração pelo reino sapiencial ou radicalmente ético que aparece em outros complexos de testemunho duplo. Isso fica ainda mais óbvio se encararmos o pão “de cada dia” exatamente como tal, isto é, o mínimo de pão material necessário para suprir as necessidades diárias, e se o mútuo perdão das dívidas também for compreendido ao pé da letra, como o perdão de dívidas monetárias: “o pão e a dívida eram simplesmente os dois problemas mais imediatos que os camponeses, os trabalhadores diaristas e os habitantes das cidades da Galileia tinham que solucionar. O alívio dessas duas preocupações seria o benefício mais óbvio a ser trazido pelo reinado de Deus.

 

            Carlos Torres Pastorino foi um ex-padre, radialista e escritor brasileiro que se expressou comungando com Crossan: “O ‘Pai nosso’ consta de uma invocação seguida de três pedidos espirituais e quatro solicitações a respeito das necessidades do homem na matéria.”

                Jesus prega abertamente o bem comum (comunismo) com o “Pai Nosso” realizável aqui no plano físico com repercussões naturais no plano espiritual. Vê-se que, por ocasião da sua primeira saída da Galileia, indo a Jerusalém, foi preso e executado. O seu diálogo com o jovem rico orientando que venda tudo para segui-lo, e que, ao encaminhar os seus doze discípulos para divulgarem a Boa Nova não haveria necessidade de levar nada, pois digno é o trabalhador do seu sustento. Tantas outras passagens que pregam sobre a vida em comum, atendendo-se às necessidades de todos na participação das riquezas, foram buscadas na prática pelos primeiros cristãos e lemos em Atos dos Apóstolos quando Paulo fala das primeiras comunidades cristãs. O comunismo, antes de se tornar satânico, é a proposta maior para a consolidação do reinado de Deus nos dois planos.

            As obras de Ana Cláudia e de Alexandre Júnior acima citadas, colaboradores desse blog, são saudadas pelo Canteiro de Ideias e, assim, saudamos a todos os que engendram esse movimento estrelar, certo que se consolidará nova fase no movimento espírita brasileiro.

 

 

REFERÊNCIAS

CROSSAN, John Dominic. O Jesus histórico. Rio de Janeiro, 1994.

KAUTSKY, Karl. A origem do cristianismo. Rio de Janeiro, 2010.

PASTORINO, Carlos T. Sabedoria do Evangelho nº 2. Rio de Janeiro, 1967.

 

6 comentários:

  1. Obrigado Jorge pelo belo artigo, gratidão pela generosidade, parabéns a Ana Cláudia Laurindo, pela escrita de obras tão potentes e importantes para o cenário do mundo no século XXI!!!
    Como diz a nobre escritora, em seu livro, Deus e Política: o enredo da morte no Brasil; "Nunca foi pecado, sempre foi política".

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  2. Gratidão Alexandre pela gentileza.
    Estamos juntos nessa peleja. Jorge Luiz.

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  3. Gratidão Martha pelo comentário e pela criação do pôster que ilustra o artigo. Jorge Luiz.

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  4. Tenho vivido crises! Passado pela agonia dos sobreviventes da pandemia, pelo luto por minha irmã e dores silenciadas em processos de perseguição jurídica, censura, solidões, nadando nas agruras políticas e econômicas do nosso país. Contudo, ser pessoa de fé, cercada de outras tantas irmandades devotadas ao bem, faz toda a diferença!
    Crises se transformam em reconfigurações interiores.
    E a certeza maior: nunca estamos sós quando temos amigos!
    Assim agradeço pelo lindo gesto ao @canteirodeideiasblog , @alessandra.araujo.735 , @marthasaraivaeu , @alexandrejuniorescritor e tant@s 💓❤️ que vibram amor entre nós!
    Extraído do Instagram de Ana Cláudia Laurindo.

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