sábado, 25 de julho de 2020

FICÇÃO CIENTÍFICA - A VIDA IMITANDO A ARTE



 
Isaac Asimov (1920 – 1992) foi um professor de bioquímica na Universidade de Boston, nos Estados Unidos. Sua notoriedade, no entanto, está ligada à literatura como um dos maiores nomes da ficção científica. Seus livros falam de tecnologia num futuro em que os robôs convivem com a humanidade ombro a ombro.

Acabei de ler o livro Robôs (The Naked Sun – 1956), cuja narrativa se desenvolve num planeta ocupado por exploradores terrestres que, ao longo do tempo, foram se isolando um do outro, vivendo em suas grandes e produtivas propriedades cuidadas por robôs. O contato social acontecia somente por engenhoso sistema de vídeo que colocava dentro da casa de um morador o outro, como um holograma. Com o passar dos séculos, a maioria dos habitantes do planeta não concebia como positiva a ideia de ter contato com outro humano, pelo contrário, era considerado ultrajante.


Em tempos de redes sociais, mensagens de texto, voz e trocas de vídeos, é curioso pensar que há cerca de setenta anos atrás, sem qualquer ideia do que seria a tecnologia em nossos dias, alguém pôde visionar problemas do não convívio pessoal.

Hoje, pode-se vislumbrar que estamos num estágio inicial em que ferramentas tecnológicas estão afastando as pessoas do convívio direto. Nota-se que há problemas com essa nova situação, desde entender o que é estar disponível para alguém a quilômetros de distância até visitar alguém na porta ao lado, ao invés de enviar uma mensagem de texto.

Outro ponto interessante do momento em que vivemos e que podemos comparar com o livro é a forma de contato entre as pessoas, totalmente tecnológica. Porém, no livro, as pessoas tinham ferramentas que as ligavam ponto a ponto, com o mínimo de intermediação, como o tradicional sistema telefônico. Atualmente, utilizam-se intermediários (aplicativos em smartfones) que se colocam de forma ostensiva na comunicação, inclusive com coleta de dados e estudo de hábitos sociais e econômicos dos usuários. Isso possibilitou o desenvolvimento de sistema de coleta de dados chamado de Big Data, ou seja, um incrível banco de dados mundial em que as empresas de tecnologia e comunicação se tornam cada vez mais donas das pessoas.

Assim, temos dois problemas a entender, o isolamento dos indivíduos e empresas tomando conhecimento detalhado dos nossos hábitos.

George Orwell, no livro 1984 (de 1948), apresenta uma sociedade em que a comunicação direta entre as pessoas é esvaziada, o Estado torna-se todo poderoso quanto consegue que o sentido coletivo da sociedade seja suprimido do dia a dia. Cresce assim a influência e controle do Estado na vida de cada cidadão, e a vida passa a ser vazia. O livro, nesse caso, fazia alusão aos sistemas totalitários, e ainda não vislumbrava o que se tornaria o poder econômico das grandes corporações. Mas independente de quem exerce o poder, Orwell nos mostra que a principal arma de controle é a manipulação da informação.

O Big Data em si é um assunto novo, que ainda nem mesmo consolidou uma definição do que seria de fato, porém o uso das informações coletadas, principalmente pelas empresas de comunicação, desde do inocente GPS veicular até a postagem numa rede social, tem suscitado debates. Qual a exercício da autonomia numa sociedade futura onde a desfragmentação do conceito de coletividade já está em processo de consolidação (com o isolamento individual e em grupos/bolhas), onde uma pessoa vive dentro de sua ilha de conforto e tudo que não se sintonizar com ela é excluído automaticamente por dezenas de filtros tecnológicos?

A narrativa do livro de Asimov apesar de simples – por muito tempo ficção científica foi tratada como um subproduto da literatura – apresenta várias camadas do que vivenciamos hoje, como o entendimento do que é real, a organização político-social, o uso consciente da tecnologia, o ser humano como ser social, o que é privacidade, etc. Contudo, no fim, o que fica de lição é a necessidade de se olhar o humano como humano, com todas suas belezas e problemas, sem qualquer supremacia biológica (no caso do livro) ou econômica (nos dias atuais).

Trazendo essas reflexões para a educação, um dos pontos é que o uso da tecnologia não deve contribuir para o isolamento físico e social dos jovens. As ferramentas e sistemas a serem utilizados devem priorizar a interação real, com toque, olho-no-olho, reconhecimento de reações emocionais e etc, sem esse aprendizado e treino, os adultos da era tecnológica podem se tornar frios e se desgarrar mais facilmente do convívio.

O outro ponto é em relação às manipulações possíveis a partir do uso das informações colhidas pelos intermediários tecnológicos. O uso que se fará com o conceito de Big Data poderá ser positivo ou negativo para a sociedade a partir do viés de manipulação daqueles que processarem esses dados. A educação precisa ao mesmo tempo mostrar como essa manipulação se dá (para que possamos identificá-la), e nos mostrar o peso da responsabilidade que tem o uso que fazemos das informações.

Quanto maior o distanciamento entre as pessoas, maior a desconfiança entre as partes, mais a manipulação da informação. Precisamos de uma educação que possa transcender o contexto sóciopolítico e os interesses econômicos do momento e que acredite que o ser humano é bom e que merece respeito em sua individualidade e singularidade.

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