sexta-feira, 4 de julho de 2014

A COPA VERDE DO BRASIL




Por André Trigueiro (*)




Fizemos 3 perguntas para o principal responsável pelo projeto brasileiro de tornar a Copa de 2014 a “Copa das Copas” na área da sustentabilidade.

Cláudio Langone é engenheiro químico, consultor em gestão ambiental e sustentabilidade, Coordenador da Câmara Temática Nacional de Meio Ambiente e Sustentabilidade da copa 2014, do Ministério do Esporte.

1) A Copa da Alemanha em 2006 foi a primeira a preocupar-se com um legado ambiental. A Copa do Brasil fez algo diferente nesse sentido?
Cláudio Langone: O Brasil estruturou sua Agenda de Sustentabilidade com base nas lições aprendidas na Alemanha e África do Sul, que tiveram representação em seminários promovidos pela Câmara Temática Nacional de Meio Ambiente e Sustentabilidade da Copa 2014.

O diferencial do Brasil se deu primeiramente no sistema de governança montado para a estruturação da Agenda, com participação dos atores envolvidos na CTMAS e na criação de Câmaras Locais de Sustentabilidade.

Nos projetos desenvolvidos, destacam-se como diferenciais o fato de termos a primeira Copa em que todos os estádios passaram por processos de certificação em construção sustentável. Além disso, são pioneiros a iniciativa de promoção de produtos orgânicos e sustentáveis e o fornecimento de alimentação orgânica aos voluntaries, a inclusão de catadores de materiais recicláveis, o Selo Baixo Carbono - mecanismo de arrecadação de créditos de carbono para a compensação das emissões da Copa, e a abordagem da Campanha Passaporte Verde, voltada à sensibilização do turista para práticas conscientes (a campanha foi desenvolvida na África do Sul, mas foi totalmente reformulada, com foco na utilização de ferramentas digitais e interativas).


Nossa Agenda teve como característica um foco em ações positivas, que extrapolassem a lógica da mitigação de impactos, e trabalhassem na articulação entre meio ambiente, inclusão social e geração de renda. Por isso, é uma iniciativa multisetorial, que envolveu vários ministérios e secretarias nas áreas de meio ambiente, esporte, turismo, agricultura, desenvolvimento social, e outros.

2) A certificação ambiental dos estádios contou com recursos do BNDES (R$400 milhões por projeto), mas, ainda assim, na maioria das arenas o selo obtido foi "Prata" (terceiro mais importante em uma escala de quatro da certificadora LEED). Não poderíamos ter um melhor desempenho nesse quesito?
Cláudio Langone: A exigência de certificação das Arenas foi uma decisão voluntária do governo brasileiro, como condição para o financiamento do BNDES. O Brasil não direcionou para um selo específico, mas todos os projetos brasileiros optaram pelo selo Americano LEED, que estava mais organizado no Brasil. A decisão de exigir a Certificação Básica se deu em função de que a maior parte dos estádios brasileiros passaram por processos de reforma. Nessa situação, fica bastante diminuída a margem de manobra dos projetistas para a escolha dos quesitos a serem contemplados nas obras. A obtenção dos certificados Ouro e Platina em geral se dá em projetos novos, em que se tem possibilidades de incluir itens como o preparo da área onde vai se localizar o projeto, e incluir na origem quesitos que não teriam como ser escolhidos em reformas de edificações. No Brasil, mesmo em estádios com fortes restrições como o Mineirão e o Maracanã, tombados pelo Patrimônio Histórico, foi possível obter a Certificação.

O Mineirão tornou-se o segundo estádio do mundo a receber a certificação Platinum. Deve-se ressaltar também que o GBC adotou para a certificação das arenas uma norma que foi estruturada para edifícios, o que gerou algumas necessidades de adaptação pontuais. A partir da experiência brasileira, o GBC decidiu que será feita uma norma LEED especificamente para arenas esportivas.

O nível Prata é uma certificação alta para projetos de reforma.  As principais questões abordadas nas arenas brasileiras se deram em:
- medidas no processo construtivo, como a reciclagem do entulho de demolição na própria obra e reaproveitamento como material de base, gerando significativa redução de custos;
- itens de projeto, como captação de água da chuva para irrigação e limpeza, iluminação e ventilação natural, torneiras e vasos sanitários inteligentes, sistemas de coleta seletiva etc.

Embora alguns itens sejam mais caros na fase de construção, eles levam a uma diminuição dos custos de manutenção das arenas, por exemplo, nas contas de água e luz.

Para dar efetividade ao esforço feito na certificação, a FIFA e o governo brasileiro promoveram em 2013 um curso de capacitação dirigido aos operadores das Arenas em gestão da sustentabilidade.

Embora o padrão exigido pelo BNDES tenha sido o de certificado Básico, a maioria das arenas conseguirá o nível Prata. Já temos o Mineirão certificado Platina e esperamos que o Estádio Nacional de Brasília atinja o nível Ouro nesta etapa, chegando também a Platina até o final de 2014, com a instalação da usina Solar de 2,5 MW.

3) Qual será o legado ambiental desse Copa no Brasil? O que ficará depois do evento?
Cláudio Langone: Estádios - Como legado, o Brasil será o país com o maior número de Arenas certificadas. Além disso, o processo de certificação dos estádios será um indutor de novas práticas de sustentabilidade na construção civil, já que todas as grandes construtoras brasileiras participaram da construção dos estádios. E, em função das políticas de compras locais, os fornecedores de materiais de construção incorporaram matérias primas certificadas ao seu portfólio, como tintas, solventes, cimento, revestimentos, aço, torneiras e vasos sanitários inteligentes.
Orgânicos – a campanha Brasil Orgânico e Sustentável, organizada pelo governo federal em parceria com a Associação Brasil Orgânico e Sustentável, criada especialmente para esse fim, é uma campanha permanente e terá continuidade.
Coleta Seletiva e inclusão de catadores – em várias Cidades Sede da Copa, tanto a Coleta Seletiva quanto a contratação de catadores estão sendo feitas pela primeira vez, e o sucesso da experiência abre espaços para sua incorporação como política pública. Além dos investimentos específicos na Operação Copa, o BNDES abriu linha de financiamento denominada Cidades da Copa, que beneficiou com recursos de doação as cidades de São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, Porto Alegre e Curitiba para estruturar de forma permanente a coleta seletiva com inclusão de catadores, num montante de 120 milhões de reais. Outras 4 sedes estão em processo de consulta – Cuiabá, Salvador, Fortaleza e Manaus.

A Campanha Passaporte Verde foi totalmente reformulada para a Copa 2014, e terá continuidade sob a coordenação dos Ministérios do Turismo e Meio Ambiente e do PNUMA. A nova marca e ferramentas desenvolvidas em função da copa 2014 serão adotadas globalmente pelo PNUMA.

Compensação e Mitigação de Emissões – o trabalho feito pelo Brasil nessa área foi reconhecido pela UNFCC como um novo paradigma em termos de grandes eventos. Além disso, um dos principais saldos do trabalho foi a criação de capacidade nas Cidades Sede para a produção de inventários de emissões e definição de políticas de mitigação.

Legado para 2016 – um dos legados mais importantes da Agenda de sustentabilidade da Copa é que grande parte dos esforços e estratégias desenvolvidos para 2014 poderão ter rebatimento na Agenda de Sustentabilidade dos Jogos olímpicos, pois envolvem os mesmos atores institucionais.




(*) Pós-graduado em gestão ambiental pela COPPE/UFRJ e professor de jornalismo ambiental da PUC RJ, André Trigueiro é jornalista da TV Globo e comentarista da Rádio CBN.

Fonte: portal G1





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