Pular para o conteúdo principal

"MORADA DA OPINIÃO"

 

 

Por Doris Gandres

“Pitágoras, o criador do termo Filosofia, já afirmava que a Terra é a “morada da opinião”. Mais tarde, Descartes advertiu que o preconceito e a precipitação, dois vícios comuns da espécie humana, prejudicam o juízo e impedem a descoberta da verdade.” José Herculano Pires, no livro Introdução à Filosofia Espírita.

Esses dois grandes e mundialmente reconhecidos pensadores, o primeiro há cerca de 2500 anos, o segundo há 500 anos aproximadamente, já colocavam com clareza e discernimento questões ainda hoje presentes no nosso cotidiano.

Opinião é o que não nos falta – realmente, a nossa Terra é permanentemente celeiro de opiniões, de todo tipo, em relação a todo e qualquer assunto e situação, aspectos e circunstâncias. E não poderia ser de outro modo, visto que somos todos “seres pensantes da Criação” e, consequentemente, detentores da possibilidade de observar, analisar e concluir. O problema consiste em como observamos, analisamos e concluímos a respeito de tudo o que nos envolve e atinge e afeta nossos parceiros de jornada.

Allan Kardec, em sua Revista Espírita de janeiro de 1867, classifica os espíritas como livres pensadores; e continua, em fevereiro, a esclarecer o seguinte: “em sua concepção mais abrangente, o livre pensamento significa: livre exame, liberdade de consciência, fé raciocinada; simboliza a emancipação intelectual, a independência moral, complemento da independência física; não quer mais escravos do pensamento, quanto não os quer do corpo, porque o que caracteriza o livre pensador é que pensa por si mesmo, e não pelos outros (...) neste sentido, o livre pensamento eleva a dignidade do homem; dele faz um ser ativo, inteligente, em vez de uma máquina de crer”.

N’O Livro dos Espíritos, na Terceira Parte, nas Leis Morais, Kardec inseriu a Lei de Liberdade como uma das leis naturais, divinas, para permitir ao Espírito caminhar com a plenitude de suas potencialidades. Essa lei assegura que, pelo pensamento, somos inteiramente livres – e concordamos com essa afirmação, pois, aqui na Terra, salvo exceções, ou seja, aqueles já de posse do sentido da telepatia, ninguém é capaz de conhecer ou controlar nossos pensamentos – às vezes nem nós mesmos.

Chegamos ao ponto de poder utilizar nossa capacidade de pensar de modo mais consciente, em face de tanto conhecimento a que hoje temos acesso por diversos meios – não apenas os das escolas convencionais, mas os da mídia em geral, inclusive internet e suas redes, bem como os ofertados pelas diversas correntes religiosas. Contudo, acontece que, em muitos casos, esses conhecimentos difundidos nem sempre correspondem a verdades e a princípios ético-morais e nos foram, e muitas vezes ainda são, impostos a ferro e fogo.

Frequentemente encontramos procedimentos calcados sobre os vícios apontados por Descartes, o preconceito e a precipitação. Desse modo, as opiniões que emitimos tornam-se verdadeiras armas que construímos com a nossa liberdade de pensar, desconsiderando a aplicação de uma observação, de uma análise e de uma conclusão baseadas em verdadeiros conceitos vinculados com a verdade e a justiça.

Não adianta afirmarmos que não existe preconceito em nosso país; vemo-lo constantemente apresentado em nossas casas, através de nossos aparelhos audiovisuais; vemo-lo na rua, nas escolas, no trabalho. São preconceitos de todo tipo, atingindo classes as mais variadas, inclusive regionais, e pessoas de todas as idades, sexos, ideologias, religiões. Existe até mesmo no meio espírita, o qual não é composto senão de criaturas em processo de desenvolvimento e com resquícios e ressonâncias de histórias do passado distante ou próximo.

Quanto à precipitação, muito fácil é constatarmos como hoje ela grassa qual erva daninha, qual pandemia patológica que se espalha acelerada e incontrolável. Todos correm, como dizia uma querida familiar, “de onde pra não sei onde”, sem tempo para pensar com vagar e critério, sem tempo para si, sem tempo para os outros, sem tempo para o tempo. As opiniões são precipitadamente emitidas; as decisões têm que ser rapidamente tomadas.

Nossos avós diziam: “Dê tempo ao tempo”, “nada como uma noite entre um dia e outro”. Mas e o nosso preconceito contra os “velhos e seus velhos ditados”? E fora o preconceito, hoje é preciso ser precipitado, agir rapidamente para não “perdermos a vez, não perdermos o lugar”. Mas que vez é essa, que lugar é esse que outros nos podem tomar? Será mesmo o nosso lugar, a nossa vez? Quem sabe não seria bom parar um pouco, pensar, analisar e concluir com mais acerto e coerência.

Já no Eclesiastes 3 lia-se: “Tudo tem seu tempo determinado, e há tempo para todo o propósito debaixo do céu”. E o amorável Mestre Jesus aconselhava: “(...) A cada dia bastam seus próprios males” e “Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará”. Para tanto, não nos servem nem o preconceito nem a precipitação.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

PESTALOZZI E KARDEC - QUEM É MESTRE DE QUEM?¹

Por Dora Incontri (*) A relação de Pestalozzi com seu discípulo Rivail não está documentada, provavelmente por mais uma das conspirações do silêncio que pesquisadores e historiadores impõem aos praticantes da heresia espírita ou espiritualista. Digo isto, porque há 13 volumes de cartas de Pestalozzi a amigos, familiares, discípulos, reis, aristocratas, intelectuais da Europa inteira. Há um 14º volume, recentemente publicado, que são cartas de amigos a Pestalozzi. Em nenhum deles há uma única carta de Pestalozzi a Rivail ou vice-versa. Pestalozzi sonhava implantar seu método na França, a ponto de ter tido uma entrevista com o próprio Napoleão Bonaparte, que aliás se mostrou insensível aos seus planos. Escreveu em 1826 um pequeno folheto sobre suas ideias em francês. Seria quase impossível que não trocasse sequer um bilhete com Rivail, que se assinava seu discípulo e se esforçava por divulgar seu método em Paris. Pestalozzi, com seu caráter emotivo e amoroso, não era de ...

OS FILHOS DE BEZERRA DE MENEZES

                              As biografias escritas sobre Bezerra de Menezes apresentam lacunas em relação a sua vida familiar. Em quase duas décadas de pesquisas, rastreando as pegadas luminosas desse que é, indubitavelmente, a maior expressão do Espiritismo no Brasil do século XIX, obtivemos alguns documentos que nos permitem esclarecer um pouco mais esse enigma. Mais recentemente, com a ajuda do amigo Chrysógno Bezerra de Menezes, parente do Médico dos Pobres residente no Rio de Janeiro, do pesquisador Jorge Damas Martins e, particularmente, da querida amiga Lúcia Bezerra, sobrinha-bisneta de Bezerra, residente em Fortaleza, conseguimos montar a maior parte desse intricado quebra-cabeças, cujas informações compartilhamos neste mês em que relembramos os 180 anos de seu nascimento.             Bezerra casou-se...

ALLAN KARDEC, O DRUIDA REENCARNADO

Das reencarnações atribuídas ao Espírito Hipollyte Léon Denizard Rivail, a mais reconhecida é a de ter sido um sacerdote druida chamado Allan Kardec. A prova irrefutável dessa realidade é a adoção desse nome, como pseudônimo, utilizado por Rivail para autenticar as obras espíritas, objeto de suas pesquisas. Os registros acerca dessa encarnação estão na magnífica obra “O Livro dos Espíritos e sua Tradição História e Lendária” do Dr. Canuto de Abreu, obra que não deve faltar na estante do espírita que deseja bem conhecer o Espiritismo.