Pular para o conteúdo principal

ESPIRITISMO À BRASILEIRA: FEDERAÇÃO ESPÍRITA BRASILEIRA (FEB)

 

Federação Espírita Brasileira - Sede histórica - Rio de Janeiro (RJ)


A Federação Espírita Brasileira – (FEB), fundada em 1884 no Rio de Janeiro, considerada hoje a “Casa-Máter do Espiritismo Brasileiro”, não nasceu com a configuração que detém atualmente, ou seja, de congregar todas as instituições espíritas nacionais. Apesar de alguns considerarem que ela foi criada com o propósito de aglutinar as forças dispersas do Espiritismo primevo, no Rio de Janeiro, a proposta foi de funcionar como um centro espírita, promovendo sessões religiosas e outras atividades de propaganda e de caráter assistencial. A revista Reformador anunciou a sua criação com a finalidade que almejava “a propaganda ativa do Espiritismo pela imprensa e por conferências públicas.” É patente que a sua finalidade precípua foi a de divulgar a Doutrina Espírita. Isto ficou bem contextualizado por ocasião do convite da London Spiritualist  Alliance para associar-se a uma ‘confederação internacional’:

 

“A FEB não é mais que uma simples reunião de alguns espíritas bem resolvidos a derramarem os conhecimentos da doutrina pela imprensa e por conferências públicas; não é um centro a que estejam filiadas todas as sociedades e grupos espíritas.”

 

            O protagonismo ‘federativo’ que a FEB assumiu não está em seu protocolo de fundação. Nem tampouco à condição ‘brasileira’, na medida em que, entre seus 40 sócios fundadores, apenas três constavam como pertencendo a outras províncias que não o Rio de Janeiro, diz o sociólogo Emerson Giumbelli, segundo lugar no Prêmio Arquivo Nacional de Pesquisa de 1995, com a obra O Cuidado dos Mortos: Uma História da Condenação e Legitimação do Espiritismo. Giumbelli até admite que possa ter havido uma preocupação com o estágio que o Espiritismo estava à época da sua criação, mas não foi, efetivamente, esse o propósito dos seus fundadores.

            Importante ressaltar que já havia sido criada uma instituição com finalidades bem semelhantes. Diz Giumbelli:

 

“A União Espírita do Brasil foi fundada nos fins de 1881. Seu objetivo era formar agremiações pelas diversas províncias, além de oferecer serviços de assinatura de periódicos estrangeiros.”

 

               A proposta da União Espírita foi concretizada com a publicação de artigos do Dr. Bezerra de Menezes, (sob o pseudônimo de Max) em O País. O ano de 1895 marcou o fim da União Espírita do Brasil.

            Em junho de 1886, além da publicação da revista Reformador e das reuniões doutrinárias, criou-se outro espaço para os ‘trabalhos experimentais’, ou seja, reuniões mediúnicas e estudo das comunicações. Com essa iniciativa, as reuniões de discussão deixaram de ser privativas e é com esse caráter – abertas ao público – que foram sendo organizadas em meados de 1889 para comportarem o estudo metódico de O Livro dos Espíritos.

            O fato mais importante do período inicial da história da FEB foi a promoção de ‘conferências públicas sobre o Espiritismo’. Foram 23 conferências, distribuídas em três séries, proferidas respectivamente nos anos de 1885, 1886 e 1887 por diretores e outras pessoas ligadas à FEB e outros grupos existentes.

            Em 1889, a FEB montou um posto ‘mediúnico receitista’ para atender gratuitamente quaisquer pessoas que procurassem seus serviços. Acredita-se que este fato ocorreu porque a Federação foi presidida, entre os anos 1889 e 1900, por dois médicos e um advogado. O primeiro presidente da FEB foi o major Ewerton Quadros, substituído em 1889 pelo médico Bezerra de Menezes. Entre 1890 e 1894 esteve no cargo também o médico Dias da Cruz, tendo Bezerra de Menezes reassumido em 1895, depois do curto mandato do advogado Júlio César Leal.

            Para alguns, o Código Penal de 1890 não foi determinante para a repressão oficial contra o Espiritismo, até porque já se observam intervenções policiais e judiciais movidas contra grupos espíritas já na década de 1880, sendo a mais comentada delas a expedição de agosto de 1881, de uma ordem do Chefe de Polícia da Corte “proibindo o estudo do Espiritismo”. Digno de nota é que sendo o catolicismo religião oficial do Estado brasileiro, outras religiões só poderiam existir se realizassem seus cultos a portas fechadas, sem qualquer caráter público. Muitas acusações foram motivadas por acusações de ‘charlatanismo’ e ‘exploração pecuniária’.

            Giumbelli esclarece:

 

“O código penal representa, na verdade, o marco de uma intervenção que, em primeiro lugar, conta com a atuação direta e autorizada dos aparatos policiais, visto ter se tornado o ‘Espiritismo charlatão’ um crime comum. (...).”

           

            Os anseios de se reunirem os grupos espíritas no Rio de Janeiro para discussão das orientações doutrinárias comuns se esboçaram em 1889; trata-se do Centro Espírita do Brasil, cuja gestão foi desde cedo apoiada pelo então presidente da FEB, Bezerra de Menezes, e pelos integrantes da revista Reformador que, segundo eles, a iniciativa foi acolhida por comunicações recebidas do Espírito Allan Kardec.

            Em fins de abril de 1889, o Centro Espírita Brasil, foi instalado, passando a ter sua sede no mesmo local que a FEB, com Bezerra eleito para a presidência. O funcionamento contou com a presença de cada grupo espírita na cidade. Uma das primeiras medidas do Centro foi a elaboração de um ‘parecer’ cujo objetivo se confundia com o papel da própria entidade: “unificar o método de trabalho espírita do Rio de Janeiro”, que trazia em seu propósito o projeto de uma ‘escola de médiuns’”. O parecer propunha, ao contrário, ‘uma escola para todos os espíritas’ – ou seja, despejava uma torrente de orientações, sistemáticas e detalhadas, a respeito de como deveria ser e a quem se destinavam as reuniões dos grupos espíritas.

            Continua no próximo artigo.

 

Referências:

FEB. Reformador. Disponível em: <http://www.febnet.org.br/blog/geral/conheca-a-feb/revista-reformador/>. Acesso em: 14 set. 2021.

GIUMBELLI, Emerson. O cuidado dos mortos. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1997.

KARDEC, Allan. O livro dos espíritos. São Paulo: LAKE, 2000.

           

 


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

PESTALOZZI E KARDEC - QUEM É MESTRE DE QUEM?¹

Por Dora Incontri (*) A relação de Pestalozzi com seu discípulo Rivail não está documentada, provavelmente por mais uma das conspirações do silêncio que pesquisadores e historiadores impõem aos praticantes da heresia espírita ou espiritualista. Digo isto, porque há 13 volumes de cartas de Pestalozzi a amigos, familiares, discípulos, reis, aristocratas, intelectuais da Europa inteira. Há um 14º volume, recentemente publicado, que são cartas de amigos a Pestalozzi. Em nenhum deles há uma única carta de Pestalozzi a Rivail ou vice-versa. Pestalozzi sonhava implantar seu método na França, a ponto de ter tido uma entrevista com o próprio Napoleão Bonaparte, que aliás se mostrou insensível aos seus planos. Escreveu em 1826 um pequeno folheto sobre suas ideias em francês. Seria quase impossível que não trocasse sequer um bilhete com Rivail, que se assinava seu discípulo e se esforçava por divulgar seu método em Paris. Pestalozzi, com seu caráter emotivo e amoroso, não era de ...

OS FILHOS DE BEZERRA DE MENEZES

                              As biografias escritas sobre Bezerra de Menezes apresentam lacunas em relação a sua vida familiar. Em quase duas décadas de pesquisas, rastreando as pegadas luminosas desse que é, indubitavelmente, a maior expressão do Espiritismo no Brasil do século XIX, obtivemos alguns documentos que nos permitem esclarecer um pouco mais esse enigma. Mais recentemente, com a ajuda do amigo Chrysógno Bezerra de Menezes, parente do Médico dos Pobres residente no Rio de Janeiro, do pesquisador Jorge Damas Martins e, particularmente, da querida amiga Lúcia Bezerra, sobrinha-bisneta de Bezerra, residente em Fortaleza, conseguimos montar a maior parte desse intricado quebra-cabeças, cujas informações compartilhamos neste mês em que relembramos os 180 anos de seu nascimento.             Bezerra casou-se...

DEMOCRACIA SEM ORIENTAÇÃO CRISTÃ?

  Por Orson P. Carrara Afirma o nobre Emmanuel em seu livro Sentinelas da luz (psicografia de Chico Xavier e edição conjunta CEU/ FEB), no capítulo 8 – Nas convulsões do século XX, que democracia sem orientação cristã não pode conduzir-nos à concórdia desejada. Grifos são meus, face à atualidade da afirmação. Há que se ressaltar que o livro tem Prefácio de 1990, poucas décadas após a Segunda Guerra e, como pode identificar o leitor, refere-se ao século passado, mas a atualidade do texto impressiona, face a uma realidade que se repete. O livro reúne uma seleção de mensagens, a maioria de Emmanuel.

JESUS E A QUESTÃO SOCIAL

              Por Jorge Luiz                       A Pobreza como Questão Social Para Hanna Arendt, filósofa alemã, uma das mais influentes do século XXI, aquilo que se convencionou chamar no século XVII de questão social, é um eufemismo para aquilo que seria mais fácil e compreensível se denominar de pobreza. A pobreza, para ela, é mais do que privação, é um estado de carência constante e miséria aguda cuja ignomínia consiste em sua força desumanizadora; a pobreza é sórdida porque coloca os homens sob o ditame absoluto de seus corpos, isto é, sob o ditame absoluto da necessidade que todos os homens conhecem pela mais íntima experiência e fora de qualquer especulação (Arendt, 1963).              A pobreza é uma das principais contradições do capitalismo e tem a sua origem na exploração do trabalho e na acumulação do capital.

A FÉ NÃO EXCLUI A DÚVIDA

  Por Jerri Almeida A fé não exclui a dúvida! No espiritismo, a dúvida dialoga filosoficamente com a fé. O argumento da “verdade absoluta”, em qualquer área do conhecimento, é um “erro absoluto”. No exercício intelectual, na busca do conhecimento e da construção da fé, não se deve desconsiderar os limites naturais de cada um, e a possibilidade de autoengano. Certezas e dúvidas fazem parte desse percurso!

ESPIRITISMO NÃO É UM ATO DE FÉ

  Por Ana Cláudia Laurindo Amar o Espiritismo é desafiador como qualquer outro tipo de relação amorosa estabelecida sobre a gama de objetividades e subjetividades que nos mantém coesos e razoáveis, em uma manifestação corpórea que não traduz apenas matéria. Laica estou agora, em primeira pessoa afirmando viver a melhor hora dessa história contemporânea nos meandros do livre pensamento, sem mendigar qualquer validação, por não necessitar de fato dela.

O AUTO-DE-FÉ E A REENCARNAÇÃO DO BISPO DE BARCELONA¹ (REPOSTAGEM)

“Espíritas de todos os países! Não esqueçais esta data: 9 de outubro de 1861; será marcada nos fastos do Espiritismo. Que ela seja para vós um dia de festa, e não de luto, porque é a garantia de vosso próximo triunfo!”  (Allan Kardec)             Por Jorge Luiz                  Cento e sessenta e três anos passados do Auto-de-Fé de Barcelona, um dos últimos atos do Santo Ofício, na Espanha.             O episódio culminou com a apreensão e queima de 300 volumes e brochuras sobre o Espiritismo - enviados por Allan Kardec ao livreiro Maurice Lachâtre - por ordem do bispo de Barcelona, D. Antonio Parlau y Termens, que assim sentenciou: “A Igreja católica é universal, e os livros, sendo contrários à fé católica, o governo não pode consentir que eles vão perverter a moral e a religião de outros países.” ...

TRAPALHADAS "ESPÍRITAS" - ROLAM AS PEDRAS

  Por Marcelo Teixeira Pensei muito antes de escrever as linhas a seguir. Fiquei com receio de ser levado à conta de um arrogante fazendo troça da fé alheia. Minha intenção não é essa. Muito do que vou narrar neste e nos próximos episódios talvez soe engraçado. Meu objetivo, no entanto, é chamar atenção para a necessidade de estudarmos Kardec. Alguns locais e situações que citarei não se dizem espíritas, mas espiritualistas ou ecléticos. Por isso, é importante que eu diga que também não estou dizendo que eles estão errados e que o movimento espírita, do qual faço parte, é que está certo. Seria muita presunção de minha parte. Mesmo porque, pelo que me foi passado, todos primam pela boa intenção. E isso é o que vale.

ÉTICA E PODER

     Por Doris Gandres Do ponto de vista filosófico, ética e moral são conceitos diferentes, embora, preferivelmente, devessem caminhar juntos. A ética busca fundamentação teórica para encontrar o melhor modo de viver de acordo com o pensamento e o interesse humanos. Enquanto que a moral se fundamenta na obediência a normas, costumes ou mandamentos culturais, hierárquicos ou religiosos – e mais, se fundamenta em princípios de respeito a valores superiores de justiça, fraternidade e solidariedade, ou seja, nas próprias leis naturais, as leis divinas.

O ESTUDO DA GLÂNDULA PINEAL NA OBRA MEDIÙNICA DE ANDRÉ LUIZ¹

Alvo de especulações filosóficas e considerada um “órgão sem função” pela Medicina até a década de 1960, a glândula pineal está presente – e com grande riqueza de detalhes – em seis dos treze livros da coleção A Vida no Mundo Espiritual(1), ditada pelo Espírito André Luiz e psicografada por Francisco Cândido Xavier. Dentre os livros, destaque para a obra Missionários da Luz, lançado em 1945, e que traz 16 páginas com informações sobre a glândula pineal que possibilitam correlações com o conhecimento científico, inclusive antecipando algumas descobertas do meio acadêmico. Tal conteúdo mereceu atenção dos pesquisadores Giancarlo Lucchetti, Jorge Cecílio Daher Júnior, Décio Iandoli Júnior, Juliane P. B. Gonçalves e Alessandra L. G. Lucchetti, autores do artigo científico Historical and cultural aspects of the pineal gland: comparison between the theories provided by Spiritism in the 1940s and the current scientific evidence (tradução: “Aspectos históricos e culturais da glândula ...