Pular para o conteúdo principal

ECOLOGIA NA OBRA DE CHICO XAVIER






Ao longo de 92 anos de existência, Francisco Cândido Xavier testemunhou a mais impressionante transformação já ocorrida na História da humanidade num intervalo de tempo tão curto. Em 1910, quando Chico nasceu na pequena Pedro Leopoldo (MG), o mundo somava pouco mais de um bilhão de habitantes que se concentravam no meio rural (o Brasil tinha apenas 24 milhões de habitantes), e as expressões “meio ambiente” e “desenvolvimento sustentável” sequer existiam, como também inexistia “legislação ambiental”. Desenvolvimento era sinônimo de fumaça. Progresso não combinava com a proteção dos recursos naturais.


Chico foi contemporâneo de um século em que a humanidade se descobriu ameaçada pela própria Humanidade, com a destruição sistemática dos recursos naturais não renováveis fundamentais à vida. A industrialização acelerada e caótica, a produção monumental de lixo, o desaparecimento da água doce e limpa em estado natural, a destruição das florestas, a desertificação do solo, a transgenia irresponsável se somam a tantos outros efeitos colaterais de um modelo de desenvolvimento que foi descrito na Rio 92 como “ecologicamente predatório, socialmente perverso e politicamente injusto”.

Através da mediunidade de Chico Xavier, os espíritos André Luiz e Emmanuel – especialmente estes – nos ajudaram a compreender a complexidade do sistema Terra e a necessidade de melhor cuidarmos de nossa casa planetária muito antes desse modelo de desenvolvimento começar a ser questionado. Em A caminho da luz, publicado em 1938, Emmanuel confirma as diferentes etapas da constituição física do planeta sob os cuidados de uma “comunidade de espíritos puros e eleitos pelo Senhor Supremo do universo”, dos quais se destaca a figura excelsa de Jesus. A obra revela como as forças da natureza, assim comumente denominadas, constituíam um imenso laboratório cósmico onde espíritos de luz determinavam as melhores condições para o aparecimento da vida na Terra.

No programa Pinga-Fogo, exibido em julho de 1971 na TV Tupi, Chico adverte para o poder que a Humanidade possui para “modificar a criação de Deus”, e assevera que “nós nos encontramos no limiar de uma era extraordinária, se nos mostrarmos capacitados coletivamente a recebê-la com a dignidade devida”. Era um chamamento à responsabilidade. Não basta mudar a realidade que nos cerca, é preciso fazê-lo com ética, discernimento e respeito à vida.

Se a Ecologia nos ensina a enxergar sistemicamente, ou seja, a perceber que todos os fenômenos do universo são interligados, interdependentes e interagem o tempo inteiro, Chico eternizou este ensinamento em vários textos psicografados. É o caso do livro Ideal espírita (1963), quando André Luiz nos lembra dos ensinamentos contidos na simples observação dos fenômenos naturais. “Retiremos dos cenários naturais as lições indispensáveis à vida. Somos interdependentes. Não viveremos em paz sem construir a paz dos outros”. Hoje sabemos – e os exemplos saltam aos olhos em várias partes do mundo – que a escassez de recursos naturais precipita cenários de disputas, conflitos e guerras. Não por outra razão, em duas oportunidades distintas, o Prêmio Nobel da Paz foi conferido a ambientalistas ou instituições comprometidas com o meio ambiente: em 2004 para a queniana Wangari Maathai, e em 2007 para o ex-vice-presidente dos EUA, Al Gore, juntamente com o IPCC (Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas da ONU).

Chico praticava uma relação de equilíbrio e o uso sustentável dos recursos muito antes do “ecologicamente correto” ganhar prestígio. Nos tempos difíceis de Pedro Leopoldo, “Chico preenchia as páginas em branco com textos assinados por seu guia, passava a limpo os originais, datilografava tudo na máquina emprestada pelo patrão e apagava o que tinha sido escrito a lápis para reaproveitar o papel”, como informa um de seus biógrafos, Marcel Souto Maior. O primeiro encontro com seu guia e mentor espiritual, Emmanuel, se deu justamente no açude de Pedro Leopoldo, um refúgio natural para o jovem médium, que buscava ali a trégua necessária para as muitas atribulações do dia a dia.

Décadas depois, já em Uberaba, instituiu as reuniões doutrinárias à sombra do abacateiro, sempre aos sábados, às duas da tarde. Sem o formalismo que tanto o incomodava, Chico buscava debaixo da árvore frondosa o ambiente propício para reuniões mais alegres e descontraídas, junto à multidão sedenta de atenção e amparo.

Também em Uberaba, Chico cuidava com especial desvelo de sua roseira. Para ele, não eram apenas flores, mas um autêntico cinturão balsâmico de que a espiritualidade se utilizava para diversos trabalhos de cura e revitalização dos frequentadores da instituição. Eram também companheiras de jornada, com quem ele conversava e exibia com orgulho paterno para seus visitantes.

O legado de Chico Xavier para a melhor compreensão de nossas relações com o meio ambiente – tanto no plano material como no campo sutil – está longe de ser totalmente compreendido. A obra deste grande médium nos descortina novos e amplos horizontes de investigação que nos revelam como a evolução da Humanidade passa impreterivelmente pela nossa capacidade de percebermos o quanto o meio ambiente começa no meio da gente.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

PESTALOZZI E KARDEC - QUEM É MESTRE DE QUEM?¹

Por Dora Incontri (*) A relação de Pestalozzi com seu discípulo Rivail não está documentada, provavelmente por mais uma das conspirações do silêncio que pesquisadores e historiadores impõem aos praticantes da heresia espírita ou espiritualista. Digo isto, porque há 13 volumes de cartas de Pestalozzi a amigos, familiares, discípulos, reis, aristocratas, intelectuais da Europa inteira. Há um 14º volume, recentemente publicado, que são cartas de amigos a Pestalozzi. Em nenhum deles há uma única carta de Pestalozzi a Rivail ou vice-versa. Pestalozzi sonhava implantar seu método na França, a ponto de ter tido uma entrevista com o próprio Napoleão Bonaparte, que aliás se mostrou insensível aos seus planos. Escreveu em 1826 um pequeno folheto sobre suas ideias em francês. Seria quase impossível que não trocasse sequer um bilhete com Rivail, que se assinava seu discípulo e se esforçava por divulgar seu método em Paris. Pestalozzi, com seu caráter emotivo e amoroso, não era de ...

OS FILHOS DE BEZERRA DE MENEZES

                              As biografias escritas sobre Bezerra de Menezes apresentam lacunas em relação a sua vida familiar. Em quase duas décadas de pesquisas, rastreando as pegadas luminosas desse que é, indubitavelmente, a maior expressão do Espiritismo no Brasil do século XIX, obtivemos alguns documentos que nos permitem esclarecer um pouco mais esse enigma. Mais recentemente, com a ajuda do amigo Chrysógno Bezerra de Menezes, parente do Médico dos Pobres residente no Rio de Janeiro, do pesquisador Jorge Damas Martins e, particularmente, da querida amiga Lúcia Bezerra, sobrinha-bisneta de Bezerra, residente em Fortaleza, conseguimos montar a maior parte desse intricado quebra-cabeças, cujas informações compartilhamos neste mês em que relembramos os 180 anos de seu nascimento.             Bezerra casou-se...

“TUDO O QUE ACONTECER À TERRA, ACONTECERÁ AOS FILHOS DA TERRA.”

    Por Doris Gandres Esta afirmação faz parte da carta que o chefe índio Seattle enviou ao presidente dos Estados Unidos, Franklin Pierce, em 1854! Se não soubéssemos de quem e de quando é essa declaração poder-se-ia dizer que foi escrita hoje, por alguém com bastante lucidez para perceber a interdependência entre tudo e todos. O modo como vimos agindo na nossa relação com a Natureza em geral há muitos séculos, não apenas usando seus recursos, mas abusando, depredando, destruindo mananciais diversos, tem gerado consequências danosas e desastrosas cada vez mais evidentes. Por exemplo, atualmente sabemos que 10 milhões de toneladas de plásticos diversos são jogadas nos oceanos todo ano! E isso sem considerar todas as outras tantas coisas, como redes de pescadores, latas, sapatos etc. e até móveis! Contudo, parece que uma boa parte de nós, sobretudo aqueles que priorizam seus interesses pessoais, não está se dando conta da gravidade do que está acontecendo...

A FÉ COMO CONTRAVENÇÃO

  Por Jorge Luiz               Quem não já ouviu a expressão “fazer uma fezinha”? A expressão já faz parte do vocabulário do brasileiro em todos os rincões. A sua história é simbiótica à história do “jogo do bicho” que surgiu a partir de uma brincadeira criada em 1892, pelo barão João Batista Viana Drummond, fundador do zoológico do Rio de Janeiro. No início, o zoológico não era muito popular, então o jogo surgiu para incentivar as visitas e evitar que o estabelecimento fechasse as portas. O “incentivo” promovido pelo zoológico deu certo, mas não da maneira que o barão imaginava. Em 1894, já era possível comprar vários bilhetes – motivando o surgimento do bicheiro, que os vendia pela cidade. Assim, o sorteio virou jogo de azar. No ano seguinte, o jogo foi proibido, mas aí já tinha virado febre. Até hoje o “jogo do bicho” é ilegal e considerado contravenção penal.

"ANDA COM FÉ EU VOU..."

  “Andá com fé eu vou. Que a fé não costuma faiá” , diz o refrão da música do cantor Gilberto Gil. Narra a carta aos Hebreus que a fé é o firme fundamento das coisas que se esperam, e a prova das coisas que se não vêem. Cremos que fé é a certeza da aquisição daquilo que se tem como finalidade.

O CERNE DA QUESTÃO DOS SOFRIMENTOS FUTUROS

   I Com o advento da concepção da autonomia moral e livre-arbítrio dos indivíduos, a questão das dores e provas futuras encontra uma nova noção, de acordo com o que se convencionou chamar justiça divina. ***   Inicialmente. O pior das discussões sobre os fundamentos do Espiritismo se dá quando nos afastamos do ponto central ou, tão prejudicial quanto, sequer alcançamos esse ponto, ou seja, permanecemos na periferia dos fatos, casos e acontecimentos justificadores. As discussões costumam, normalmente e para mal dos pecados, se desviarem do foco e alcançar um estágio tal de distanciamento que fica impossível um retorno. Em grande parte das vezes, o acirramento dos ânimos se faz inevitável.

FUNDAMENTALISMO AFETA FESTAS JUNINAS

  Por Ana Cláudia Laurindo   O fundamentalismo religioso tenta reconfigurar no Brasil, um país elaborado a partir de projetos de intolerância que grassam em pequenos blocos, mas de maneira contínua, em cada situação cotidiana, e por isso mesmo, tais ações passam despercebidas. Eles estão multiplicando, por isso precisamos conhecer a maneira com estas interferências culturais estão atuando sobre as novas gerações.

JESUS TEM LADO... ONDE ESTOU?

   Por Jorge Luiz  A Ilusão do Apolitismo e a Inerência da Política Há certo pedantismo de indivíduos que se autodenominam apolíticos como se isso fosse possível. Melhor autoafirmarem-se apartidários, considerando a impossibilidade de se ser apolítico. A questão que leva a esse mal entendido é que parte das pessoas discordam da forma de se fazer política, principalmente pelo fato instrumentalizado da corrupção, que nada tem do abrangente significado de política. A política partidária é considerada quando o indivíduo é filiado a alguma agremiação religiosa, ou a ela se vincula ideologicamente. Quanto ao ser apolítico, pensa-se ser aquele indiferente ou alheio à política, esquecendo-se de que a própria negação da política faz o indivíduo ser político.

NÃO SÃO IGUAIS

  Por Orson P. Carrara Esse é um detalhe imprescindível da Ciência Espírita. Como acentuou Kardec no item VI da Introdução de O Livro dos Espíritos: “Vamos resumir, em poucas palavras, os pontos principais da doutrina que nos transmitiram”, sendo esse destacado no título um deles. Sim, porque esse detalhe influi diretamente na compreensão exata da imortalidade e comunicabilidade dos Espíritos. Aliás, vale dizer ainda que é no início do referido item que o Codificador também destaca: “(...) os próprios seres que se comunicam se designam a si mesmos pelo nome de Espíritos (...)”.

A HISTÓRIA DA ÁRVORE GENEROSA

                                                    Para os que acham a árvore masoquista Ontem, em nossa oficina de educação para a vida e para a morte, com o tema A Criança diante da Morte, com Franklin Santana Santos e eu, no Espaço Pampédia, houve uma discussão fecunda sobre um livro famoso e belo: A Árvore Generosa, de Shel Silverstein (Editora Cosac Naify). Bons livros infantis são assim: têm múltiplos alcances, significados, atingem de 8 a 80 anos, porque falam de coisas essenciais e profundas. Houve intensa discordância quanto à mensagem dessa história, sobre a qual já queria escrever há muito. Para situar o leitor que não leu (mas recomendo ler), repasso aqui a sinopse do livro: “’...