domingo, 13 de outubro de 2019

TIRANDO A VENDA DOS OLHOS OU, A VERDADE DÓI







              A tarefa de olhar nos olhos quando se comunica com outrem não é condição fácil e às vezes requer treinamento que pode exigir anos de prática. Há receios de toda sorte em determinadas interlocuções, entre outros, o de ofender a quem escuta ou ainda de ser mal interpretado de forma a gerar discussões não pretendidas. Muitas pessoas carregam consigo grandes motivos que foram silenciados por tempo suficiente para cristalizar desejos e ensejos de uma vida que gostariam de ter tornado mais feliz.
            Na disputa de egos, a intolerância às divergências se tornou licença para a ocultação de valores individuais, uma das mais importantes maneiras de abortamento de existências que poderiam ser promissoras e simplesmente se perdem porque uma espécie de hierarquia interpessoal invisível afogou o anseio de uns em detrimento do sucesso de alguém.

            Oportunamente Jesus assegura que o conhecimento da verdade liberta (João VIII; 32), não necessariamente nessa disposição gráfica. Saber do que liberta e o que é mesma a verdade que propõe tal liberdade é o que torna árduo compreender tal ensinamento. No mundo das imperfeições, julgar-se detentor da capacidade de identificar a verdade é uma estrada com muitos vieses. Historicamente houve tantos a invocarem essa condição que se chegou à conclusão de que nada mais relativo que a verdade num mundo como o nosso.
            O mais curioso é que nessa empreitada de incorporar a verdade essencial quanto mais julgamos tê-la parece que ficamos mais distante dela, perdidos nas próprias relatividades, ou pior, encarcerados em convicções que afastam de enxergar um horizonte seguro. Habituamos a “falar para os outros” quando o que tornaria mais fácil a comunicação seria “falar com os outros”. A pedagogia de Jesus o levava a “falar com as pessoas” e justamente por essa razão falava por metáforas e parábolas de modo a ser compreendido de forma diversa pelas individualidades, pois sabia que forçosamente cada um teria uma compreensão diferente de suas palavras. O que também significa que Ele sabia que o aprendizado não ocorre por imposição, senão por ter entendido, o que geralmente leva tempo e paciência.
            No jogo de forças a que estamos submetidos é provável que a arma mais poderosa que pode nos socorrer diante das tantas verdades relativas, que povoam as informações que nos chegam todos os dias, é o discernimento oriundo da experiência de Jesus, cuja tendência básica era combater o mal que havia nas pessoas sem exatamente combatê-las, enquanto seres que sabia passando por estradas escuras. Ele antevia que um dia aquelas pessoas absorveriam a claridade de suas palavras e ensinamentos retificando a loucura dos seus atos.
            Não nos enganemos de que estivemos de ambos os lados da verdade em algum momento de nossa longa romagem evolutiva. Muitas vezes defendemos o indefensável, o que deve nos propor ponderações quando utilizamos o verbo em julgamentos. Antes busquemos abraçar o irmão que está no outro, mesmo que apenas mentalmente, para dispor o que julgamos ser a verdade que tivemos a possibilidade de alcançar, sem renunciá-la em momento algum, sob qualquer pretexto, mas entendendo que, se é difícil manter a caminhada sem desvios, é praticamente impossível saber das grandes inquietações do coração alheio.

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